OPINIÃO | Desta Água beberei…

A Água e o seu acesso é um “direito humano”, devendo estar presente na consciência e na agenda de todos, agora e sempre, valendo muito mais que o “ouro negro”. Este é efectivamente o líquido mais precioso e indispensável, devendo ser uma causa e desígnio de e para os quais todos devemos lutar.

A este respeito valerá a pena referir que a minha geração, que em cerca de duas décadas, das duas uma: ou se alheou de forma irresponsável e pura indiferença; ou, de uma forma muito subtil, como que num passo de magia, foi “endrominada”.

Se reflectirmos um pouco, podemos concluir que não é por mero acaso que este tema não é falado ou é mesmo um quase tabu. Será, todavia, importante não esquecer que se trata de um dos desafios societais mais importantes à sobrevivência da humanidade.

Quem não se lembra das inúmeras e diversas alusões na literatura portuguesa, em que alguns autores portugueses dedicavam páginas inteiras, descrevendo grandes confrontos e mesmo mortes atribuídas à problemática e conquista da água. Quem não se lembra de singelos gestos como o poder-se inclinar sobre a bica e beber de forma desenfreada, ou levar com as mãos à face pingos refrescantes em prazerentos momentos, após e durante uma caminhada.

Nas nossas aldeias, os poucos que restam tentam agora assegurar e formalizar hábitos e costumes, no sentido de deixar em “papel” às sociedades vindouras aqueles direitos que possuíam da água para regas e consumos.

Perderam-se hábitos, convívios, discussões e mesmo conflitos em torno de um bem escasso e essencial à sobrevivência.

Estas gerações mais novas, descoraram em completo estes assuntos, apenas sabem que a água ou vem engarrafada ou “aparece” quando rodamos a torneira.

Mas, também nas nossas aldeias, ou na maioria dos fontanários públicos, verificamos transformações extraordinárias que, paulatinamente, levam a que a água que outrora jorrara, desapareça como um acto de magia.

A forma como nos comunicam a qualidade da água, em específico em alguns municípios deixa, a meu ver, uma quase intimidação ao cidadão que é de todo preocupante: “Água imprópria para consumo humano”; noutros sítios, o dístico, que me parece muito mais apropriado, faz referência a “ Água não controlada”, deixando aos cidadãos “abertura” para que a mesma possa ser analisada, é uma questão de custo e organização da sociedade civil e mesmo da população. Mas, para alguns são meros detalhes sem importância.

No caso em apreço de Arouca, é um município que se pode dizer sortudo e que a mãe natureza também premiou. Pela sua morfologia e características a água ainda abunda e brota espontaneamente por essas serranias abaixo. Pecando por defeito, não vão lá muitos anos, estariam identificados mais de 180 pontos de recolha de água que serviam o município, juntas de freguesia, espaços públicos e as populações.

Factual é que em poucos anos deixaram de se ouvir os sons da água nos fontanários públicos e, progressivamente as torneiras foram retiradas e substituídas por um tampão e “quiça”, as nascentes que eram públicas, vão desaparecendo ou, não sendo muito maldoso, apropriadas indevidamente por alguns mais atentos perante os simples distraídos.

Talvez fosse bom não descurar ou mapear estas situações, para que o tempo não faça esquecer aquilo pelo qual os nossos antepassados tanto lutaram e que hoje, de forma displicente, alienada e até irresponsável, a sociedade vive.

Texto de Vítor Carvalho

sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
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