Portugal é um país radicalmente diferente depois desta fatídica década. A insolvência lusitana de 2011 ficará na memória como um momento capital no nosso imaginário, onde os políticos engravatados bruxelenses nos impunham uma estranha forma de vida. José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa são o triunvirato que marcou definitivamente a política nacional deste decénio. José Sócrates preconiza de certa forma o início do declínio do regime democrático português do pós-25 de abril. Subsequentemente, os portugueses perceberam que os principais partidos se venderam aos interesses da finança e do grande capital. Os gabinetes de S. Bento foram, ao longo desta década, disseminadores da promoção social do escol olisiponense, do nepotismo, dos negócios latentes, da impunidade jurídica e da opacidade.
As nossas sociabilidades e hábitos mudaram. Os smartphones guardam os nossos maiores segredos, absorvem as nossas almas e satisfazem as nossas curiosidades mundanas. Com os nossos telemóveis sino-americanos é-nos possível criar um “novo eu” perante os outros e perante nós próprios. As redes sociais também mudaram as nossas vidas. O tribalismo bacoco aumenta a polarização política, sendo esta instigada pelos caciques tuiteiros e facebookianos da direita à esquerda. O medo, a ignorância, o caos, a falsidade e o ódio coloram esta sociedade virtual paralela que nunca mais será subterrânea. Os nossos cliques também encomendam pizzas e hambúrgueres, que nos chegam semiaquecidos aos nossos exíguos apartamentos. As nossas crianças assistem aos sensacionalismos pedagógicos dos melhores youtubers da pátria lusitana, assimilando os seus maneirismos e os seus leimotivs. Os nossos encontros amorosos são agora mais pragmáticos e estranhamente espontâneos. Com estes amuletos, estamos mais informados e porém menos sábios. Somos aparentemente mais dependentes e autónomos com estes objetivos mágicos, numa dicotomia desfasada da realidade prática e da intuição humana. Ficar sem bateria no nosso telemóvel é como se o dia escurecesse mais depressa, porém foi este que nos salvou do tédio da pandemia covídica.
A paisagem portuguesa também mudou. Os eucaliptos ladeiam as nossas estradas, as turbinas eólicas povoam as nossas montanhas e as barragens filtram os nossos rios. As nossas cidades venderam a alma em forma de plástico, para que do outro lado do mundo se diga bem de nós. A uberização do nosso empreendedorismo conjugou-se com o fomento de um turismo bicéfalo, assente no kitsch e num certo simbolismo nacional saudosista. Foram talvez os galos de Barcelos multicolores, as sardinhas fálicas e os azulejos ao centímetro que levantaram a nossa economia do pós-troika, a troco de salários precários numa sociedade com relógio, mas sem tempo. Antes da pandemia, Lisboa parecia Saigão com os seus ziguezagueantes Tuk-Tuks e o Porto parecia uma espécie de Amesterdão com francesinhas, como há pouco tempo ouvi dizer. Com a pandemia, os turistas ébrios do norte da Europa já não preenchem as nossas esplanadas, nem compram os nossos pastéis de bacalhau com queijo da serra, dando a sensação que vivemos um falso cosmopolitismo nos últimos anos.
Nos ecrãs fala-se do medo e da última diatribe futebolística, onde os nossos idosos mais vulneráveis cedem à cmtivização da vida nacional. Ora Trump, ora a pandemia, ora a Europa, ora os números da DGS – o medo consome as nossas vidas. Concomitantemente, o partido socialista parece reinar Portugal. Tudo controla, parece. Protegem-se ministros e distribuem-se manjedouras extensíveis aos amigos e à família. Não interessa se se matam veados ou javalis como o rei D. Carlos, se se assassina barbaramente um cidadão ucraniano às mãos do estado português, se se mente sobre o currículo de um procurador europeu, ou se se aumentam os salários dos administradores da TAP. Tudo passa pelos pingos da chuva.
No final desta década, Portugal afasta-se da Europa, inclusive de países que entraram na União Europeia em 2004. O país está mais pobre, mais envelhecido e cada vez menos capaz. Vivemos duas crises inexoráveis em apenas 10 anos. Ainda que tecnicamente a década já tenha terminado no ano passado, acabamos o ano simbólico de 2020 fechados em casa com medo de um inimigo invisível. Ao menos durante a troika, as nossas quatro paredes eram mais largas. Levantemo-nos para enfrentar a próxima década.
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