No meu tempo

Recentemente, apercebi-me de que comecei a proferir a expressão «no meu tempo» quando me dirijo aos mais novos. Em teoria, esta expressão só pode ser dita por pessoas que sabem o que é que um amolador faz, mas aos 30 anos (!) arrogo-me no direito de verbalizar este dito tão popular. Estarei a cair no ridículo? É muito provável que sim, mas pergunto-me: o que raio significa «no meu tempo»? Que espaço temporal é este? O que é que realmente queremos dizer com isto? Será que queremos fazer-nos passar por uma espécie de «sujeito histórico» perante os mais novos? Ou será que queremos falar do tempo em que realmente fomos felizes? Não faço a mais pequena ideia.

A expressão «no meu tempo» é frequentemente utilizada para descrever os nossos verdes anos, no entanto, este coloquialismo é também marcado pela sua subjetividade. Trata-se de um conceito interior; de algo que definimos vagamente na nossa mente. De certa forma, ainda que não nos apercebamos disso, a verbalização da expressão «no meu tempo» é uma tentativa de organizarmos a nossa cronologia pessoal. É como se quiséssemos compartimentar o nosso hipocampo por meio de uma linha temporal afetiva e sentimental.

«No meu tempo» pode ser dito de várias formas. Quando queremos impressionar os mais novos, costumamos dizer que «no meu tempo é que era»; quando desdenhamos as virtudes do presente, enunciamos a locução «no meu tempo não havia nada disto»; e quando queremos vincar as diferenças entre o nosso passado e o presente, pronunciamos «no meu tempo era assim», ou mesmo o frequente «no meu tempo fazia-se assim». Por muito que nos custe admitir, a expressão «no meu tempo» é empregada quase sempre com arrogância e paternalismo. Na verdade, raramente utilizamos «no meu tempo» para adoçar uma conversa. Por que não antes «no meu tempo a salsa era de graça», ou até «no meu tempo escreviam-se cartas de amor»? Por que não usar «no meu tempo» para criar curiosidade ou empatia?

Visto de um ponto de vista mais racional, a utilização da expressão «no meu tempo» tem as suas fragilidades. Por vezes, ainda que não pareça, o «nosso tempo» é também o «tempo» dos nossos interlocultores, pois corremos o risco de estarmo-nos a referir a um tempo em que eles já eram nascidos. Se for o caso, os nossos interlocutores mais novos terão certamente o direito de falar do «nosso tempo» como se fosse o deles. Porém, presunçosamente,  achamos sempre que o «nosso tempo» é só nosso e de mais ninguém.

Então o que é que significa «no meu tempo»? Creio que ninguém sabe. A resposta estará, provavelmente, em cada um de nós. Só nós sabemos o que verdadeiramente significa «no meu tempo». Os nossos interlocutores podem presumir que nos estamos a referir à nossa infância ou à nossa juventude, mas nunca saberão o modo como percecionamos o tempo. Por estranho que pareça, é o «nosso tempo» e nós é que sabemos o que queremos fazer com ele.

sobre o autor
Miguel Brandão
Discurso Direto
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