“É urgente o amor”

Foi Eugénio de Andrade que tão bem descreveu a necessidade de valorizar este nobre e emotivo sentimento ao dizer que “É urgente o amor. É urgente um barco no mar. É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas. É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.”.

Falamos muito sobre o amor, umas vezes porque o vemos como parte de um caminho para a felicidade, outras porque nos queremos afastar dele por considerarmos que apenas nos faz sofrer. Ainda assim, e dependendo da fase ou do momento de vida em que nos encontramos, vamos procurando construir uma visão positiva deste sentimento que, quer queiramos, quer não, faz e fará sempre parte daquilo que somos. Amamos a família, amamos os amigos, amamos os animais, no fundo, amamos pessoas, lugares, cheiros, sabores… tudo o que desperta em nós algum tipo de satisfação ou bem-estar, mais ou menos continuado, e que nos liga intrínseca e emocionalmente a algo ou alguém.

Facilmente percebemos que o ato de amar não é, nem nunca deverá ser visto como um ato passivo, uma vez que nos incita a uma ação direta, à procura de proximidade e ao contacto, que favorece e alimenta este nobre sentimento. Ainda assim, uma relação de amor que se quer forte e saudável só o é verdadeiramente na medida em que existe uma reciprocidade e um equilíbrio constantes, capazes de garantir um relacionamento feliz, assente no cuidado, no respeito e na confiança. No entanto, e mesmo que consigamos garantir esta mutualidade emocional, não nos podemos esquecer de que o amor também começa em nós e por nós: devemos gostar do que somos, valorizar aquilo em que nos tornamos e trabalhar diariamente para garantir que nos preocupamos connosco e com o nosso bem-estar. Não podemos gostar mais dos outros do que de nós próprios e precisamos de cuidar de nós para conseguirmos estar bem com os outros. O mesmo será dizer que, ao garantirmos que estamos bem na relação que temos connosco, teremos mais condições para construir uma relação positiva e satisfatória com quem amamos.

Contudo, e mais vezes do que aquilo que seria desejável, seja por desconhecimento ou por desvalorização, muitos consideram aceitável que a violência entre no contexto dos relacionamentos amorosos. Num dia são explosões de raiva vindas do nada, no outro já estamos a ser manipulados para que os outros possam conseguir o que querem de nós. Começam por controlar o nosso telemóvel ou as nossas redes sociais, por não nos deixar sair com amigos ou por criticar o nosso corpo, a roupa que usamos ou a forma como falamos. Depois são os ciúmes e as agressões que passam a ser uma constante e nos impedem de viver e de nos ligarmos aos outros. Sempre que alguém nos critica, desvaloriza, humilha ou ignora, ou sempre que nos querem obrigar a mudar para os agradar podemos estar certos de que ali não existe amor. Empurrar, puxar o cabelo, insultar, dar uma estalada, criticar, controlar, forçar a ter relações sexuais, exigir ou divulgar fotografias íntimas são exemplos claros de violência que nos fazem sofrer e que afetam a nossa autoestima e a nossa saúde mental.

Amar é não agredir. Amar é não controlar. Amar é não manipular. Amar é não chantagear. Amar é não humilhar. Ciúme, controlo, crítica ou agressão são violência, nunca serão amor.

Amar não é sofrer. Amar é respeitar e cuidar.

Reconhecendo que esta é uma questão muito dura e difícil, o primeiro passo passa por conseguir admitir e identificar os sinais de violência, por mais pequenos que possam parecer, não deixando espaço para qualquer sentimento de culpa pelo que estamos a viver. Depois de reconhecer que a violência existe devemos procurar ajuda como um ponto de partida para a libertação, seja através de linhas telefónicas de apoio à vitima (como o 116 006 – chamada gratuita), que são totalmente confidenciais e têm do outro lado pessoas experientes e disponíveis para nos ajudar, seja através de algum amigo ou familiar próximo com quem possamos desabafar e procurar auxílio, ou fazendo queixa junto das autoridades policiais. O apoio existe, não há razão para continuar a sofrer em silêncio.

Construir relações saudáveis tendo por base o respeito é uma luta e um desafio de todos. Todos somos responsáveis por acabar com as relações violentas e abusivas. Todos nos devemos unir para prevenir a violência no namoro e promover relacionamentos saudáveis desde cedo.

Que nunca o medo, a vergonha ou o desconhecimento nos impeçam de ter a coragem e a força necessárias para sair de relações abusivas. Se não tiver acontecido antes, que possa ser hoje o dia da libertação e da conquista do verdadeiro amor.

sobre o autor
Cátia Camisão
Discurso Direto
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