Portugal é fogo que arde sem se ver

Os piores pesadelos de Dante assolam, uma vez mais, o maior eucaliptal relativo do mundo: Portugal. Apesar da sensação de laxismo e incúria governamental, o número de incêndios rurais diminuiu nos últimos anos. Por exemplo, em 2005, houve 41,689 incêndios rurais e em 2011 só se registaram 8,186 fogos deste tipo (Pordata). 2005 foi efetivamente o pico, durante o primeiro vinténio do século XXI, não se atingindo, doravante, esse trágico número. No entanto, perante a crise climática vigente é bastante provável que o número de incêndios cresça exponencialmente nos próximos anos. Como o investigador em Alterações Climáticas, João Camargo, proferiu há dias, 2022 pode ser o ano mais fresco das nossas vidas. 

Todos conhecemos «as razões» que explicam porque é que Portugal é uma pira à beira mar. A verdade é que os incêndios traduzem um crescente abandono do interior do país, cada vez mais desprovido de serviços estatais básicos ou meios de subsistência viáveis. Como se não bastasse, os escassos núcleos rurais, que polvilham as regiões mais ermas da nação portuguesa, são subitamente cercados por impiedosas cortinas de fogo. O mundo urbano parece preocupar-se com a «temáticas dos incêndios», mas ninguém quer realmente saber se Ansião, Carrazeda de Ansiães ou Ponte da Barca ardem. O interior do país não é mais do que uma fonte de condescendência e comiseração momentânea.

As reportagens sobre os incêndios dizem muito sobre a sociologia do nosso país. Os jornalistas, sob o pedestal da urbanidade, infantilizam os entrevistados, fazendo perguntas que revelam ingenuidade, insensibilidade ou genuína nescidade. Os média acorrem fulgurosamente aos locais sitiados pelo fogo, dando a falsa sensação de que a nação está «mobilizada» para o combate às chamas. Não está. Para muitos portugueses, «os incêndios» são apenas um tema distante e sazonal. Esta realidade ilustrou-se esta semana, quando uma jornalista da SIC reportou um incêndio que deflagrava em Ourém. Após perguntar a um civil «vai buscar água num trator, é isso?», a mesma terá recibo a seguinte resposta: «é isso, mas têm de tirar o vosso carro ali, que está a estorvar». A jornalista foi sensível à questão, enunciando: «assim o faremos para a segurança de todos, logo que possível, logo que terminemos este direto». Em bom rigor, para muitos de nós, «os incêndios» desvanecem-se quando termina o direto.

sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
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