opinião | Dia Internacional da Criança em tempo de pandemia

Desde 1950 que o dia 1 de Junho é Dia Internacional da Criança, dia este proposto à ONU por movimentos femininos preocupados com a escassez de alimentos, maus tratos, falta de cuidados médicos, trabalhos pesados e forçados, abandono e outras grandes dificuldades que as crianças enfrentavam, após a II Guerra Mundial. No entanto, somente decorridos 9 anos, em 1959, estas preocupações ganharam notoriedade, ao ser aprovada pela ONU a Declaração Internacional dos Direitos da Criança. Mas, as preocupações não ficaram por aqui. Então, decorridos 30 anos após a aprovação desta Declaração, a ONU aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por Portugal em 1990, documento bastante completo e com preocupações acrescidas no que à infância diz respeito, tendo consagrado o princípio do primado do interesse superior da criança.

O século XX, sobretudo a 2ª metade, foi designado como o século da criança, por ter sido a época em que as leis e a sociedade mais se preocuparam com a infância e os seus direitos. No entanto, verificamos que a infância como a idade do ouro, dos sonhos e fantasias, caracterizada pela inocência, pela felicidade, pela protecção e segurança, continua a ser um mito, apesar do avanço das leis da protecção. Há muitas crianças que continuam a viver na pobreza, sem lar nem segurança, sem verem satisfeitas as suas necessidades básicas, por carências económicas da família e falta de apoio do Estado, a serem maltratadas e negligenciadas, sem cuidados de saúde, abandonadas e até exploradas sexualmente. Estamos, pois, perante questões que não podem ser exclusivamente resolvidas pela lei, mas perante questões culturais que exigem uma nova cultura de infância.

As crianças são o futuro da Humanidade, são pessoas que pensam, reflectem e sofrem. São os membros mais fracos da sociedade humana, logo os que têm menos voz, mas são a razão de ser do mundo, e, mais do que isso, representam o futuro desse mundo. Pensar em futuro, obriga-nos a refletir se o investimento feito na infância tem sido o suficiente para garantir o melhor do seu porvir. As necessidades da criança são inalienáveis, irredutíveis e inquestionáveis. Assegurá-las é, pois, o nosso dever e a nossa missão.

E chegados ao ano 20 do século XXI, o mundo foi invadido por uma situação de emergência de saúde pública causada pela doença covid 19 com impacto sem precedentes na maioria das nossas crianças. As consequências ultrapassam a área da saúde, com impacto directo no acesso a uma educação de qualidade, assim como ao risco de abuso e violência, da ansiedade e do medo. Há prejuízo nas aprendizagens, já que as aulas virtuais não correspondem às expectativas concretas e interactivas, por sua vez o ensino à distância veio pôr a descoberto conhecidas assimetrias no acesso à internet, a computadores e televisores e aos diferentes níveis de literacia dos pais. A escola desempenha um papel crucial na aprendizagem, no desenvolvimento cognitivo e social e no crescimento das crianças. O encerramento das escolas originou um grande prejuízo pedagógico, apesar de todos os esforços realizados para que a aprendizagem continuasse à distância. Este prejuízo pedagógico deve ser compensado para que não haja sequelas futuramente. Também passar o tempo com os seus pares, é essencial para o bem-estar das crianças. As relações sociais, a partilha, o contacto físico, os jogos e as brincadeiras têm sido limitados. Os avanços conseguidos de combate à obesidade infantil ficaram comprometidos por terem passado muito tempo em casa, mais sedentários, com mudanças alimentares e com redução da actividade física.

Em suma, as desigualdades já existentes agravaram-se, assim como os desafios diários que as crianças em situação mais vulnerável enfrentam e os sonhos da maior parte delas foram desfeitos. Para uma criança é fundamental sonhar e deixar-se comandar por um mundo de fantasia, em seu redor, criando nela um gosto pelo sonho e pela vida. Sonhar é viver o passado no futuro, e o futuro no presente, é despertar dentro de si aquele ser criança. Sonhar é viver. A emergência dos Direitos da Criança e a preocupação de promover a sua efectiva aplicação representam um dos marcos mais relevantes de toda a história da infância. E a Convenção não é um conjunto de promessas, mas de obrigações. A sua aplicação é, em primeira instância, uma obrigação do Estado. Em nome da crise não se pode roubar a infância e os sonhos às crianças. É urgente pensar nas crianças, antes mesmo de se reorganizar o futuro, para que não se transformem num puzzle sem sentido, cujas peças não encaixem umas nas outras.

Texto de Rosa Morais

sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
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