CAE de Vale de Cambra pretende reforçar o peso da cultura na cidade, regressando aos tempos áureos do antigo Cinema

Após a inauguração no passado mês de abril, o Discurso Directo obteve uma visita guiada, efetuada pelo presidente da Câmara Municipal de Vale de Cambra, José Pinheiro, ao novo Centro de Artes e Espetáculos (CAE).

Trata-se de uma recuperação muito bem executada do antigo Cinema de Vale de Cambra e que foi devidamente explicada pelo arquiteto Gonçalo Louro num panfleto disponível no hall de entrada do espaço. “Quando o visitámos em 2017, após a aquisição do imóvel pela autarquia, deparámo-nos com o edifício descaracterizado, reconvertido em área comercial e oficina, que a par do processo de desmobilização funcional ocorrido ao longo dos anos, ainda conservava os espaços e características originais do antigo Cinema de Vale de Cambra, da autoria do arquiteto António Bandeira, inaugurado em 1970”, referiu.

A intervenção preserva vários elementos do antigo Cinema, como uma das máquinas que, antigamente, fazia a projeção dos filmes, garantindo também “as condições técnicas e funcionais imprescindíveis à função programática de cada espaço”. O CAE conta com vários espaços para eventos culturais, podendo acolher todo o tipo de eventos culturais.

Nota também para a presença da instalação escultória “rodas”, da autoria de Paulo Neves, que aproveitou uma árvore antiga que morreu naturalmente no centro da cidade para efetuar uma escultura que homenageia “a identidade industrial e agrícola de Vale de Cambra, evocando o movimento contínuo das engrenagens fabris e das pás dos moinhos”.

José Pinheiro: “Foi um processo moroso, mas que correu bem”

No final da visita guiada, estivemos à conversa com José Pinheiro, presidente do atual executivo camarário de Vale de Cambra no centro do Auditório.

  • Pela primeira vez em 30 anos, Vale de Cambra conta novamente com um equipamento cultural de referência, nesta reabilitação muita bem conseguida do antigo Cinema. Começo por lhe perguntar a importância desta empreitada e se era algo já muito desejado pelos agentes culturais do concelho e pelos valecambrenses?

“Eu penso que era desejada. Obviamente que, quando se entrava aqui nos últimos anos e antes da Câmara adquirir o espaço, as pessoas que viveram, como eu, o Cinema de Vale de Cambra, sentiam uma nostalgia, até diria uma tristeza, porque este espaço foi uma casa de referência no distrito de Aveiro, e verem-na completamente destruída. Eu recordo que estas fachadas laterais eram todas revestidas à madeira nobre que vos mostrei e essa madeira, que era rara, preciosa, hoje em dia caríssima, tinha sido toda pintada com uma tinta fraca branca. As cadeiras, todo o espaço que é envolvência de um cinema, tinha tudo desaparecido. Este espaço cultural foi completamente desvirtuado.

Isto era privado, entretanto surgiu a possibilidade de adquirir, porque os proprietários tiveram problemas financeiros. Ao ter conhecimento disso, a Câmara manifestou o interesse e, pouco antes, declaramos o interesse municipal do imóvel. Não me arrependo nada de o ter feito, porque conseguimos, diria quase em tempo recorde, fazer a aquisição deste imóvel.

Depois de se concretizar a compra, partimos para o projeto e aí começou o problema, porque uma coisa é fazer uma construção de raiz, aqui havia que adaptar. A equipa projetista conseguiu fazer um bom projeto, dentro das dificuldades. Recordo as inúmeras alterações ao projeto, especialmente ao nível daquilo que não se vê, que é o AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado), porque um AVAC de um espaço destes é algo complexo. Foi um processo difícil. A pandemia também criou enormes constrangimentos, ao nível dos materiais que não existiam, das equipas de trabalho que tinham de ficar em isolamento e não conseguiam vir trabalhar. Felizmente, conseguimos com arte e engenho trazer a obra até ao fim.

Nos primeiros dias, as coisas correram muito bem e quando assim é, estamos todos satisfeitos e podemos dizer que valeu a pena todo este esforço e trabalho. Eu dizia no discurso de abertura que o meu cabelo se foi pintando de branco em todo este processo. Foi um processo moroso, mas que correu bem.”

  • Sente que esta reabilitação poderá também despertar um novo panorama da Cultura em Vale de Cambra, com o surgimento de novos artistas e coletividades?

“Eu acredito que sim, mas recuava um bocadinho e olhava para o trabalho que a Academia de Música faz. Não foi por acaso que ela foi instalada aqui, porque achei que seria interesse e uma mais valia.

Nós temos tido uma preocupação de apoiar várias entidades que se dedicam à formação. Desde logo recordo as duas bandas filarmónicas que temos no concelho, que têm vindo a evoluir de forma extraordinária, porque hoje, quer a Banda de Vale de Cambra, quer a de Junqueira, têm muitos jovens com formação musical superior.

Depois temos também academias de dança, de expressões corporais, que também fazem um excelente trabalho e procuramos que também se envolvam para continuarem o seu trabalho, proporcionam espetáculos e participam em muitas iniciativas da Câmara Municipal. Temos os grupos de teatro, que vão fazendo o seu percurso, diria de uma forma mais modesta, dando agora um saltinho. Temos também uma jovem, formada em Teatro, e que tem feito também um trabalho interessante e participado em iniciativas da Câmara Municipal, algumas delas ligadas a programas que temos de cariz social, em que se incentivam as pessoas a soltarem-se, libertarem-se, elas próprias a construírem o seu espetáculo. Há uma preocupação grande de ir criando hábitos culturais!

Eu acredito sinceramente que este palco, que temos à nossa frente, que possa ser ambicionado por muitos jovens e devem-no atingir, na minha modesta opinião, quando o nível do seu desempenho justificar estar num palco destes. Nós temos também um outro palco, no Centro Cultural de Macieira de Cambra, que também é uma boa sala e que tem de continuar a ter a sua vida.

Aqui, o espaço deve ser um pouco seletivo pela qualidade, não invalidando que se possam organizar aqui iniciativas que sejam agregadoras e envolvam a comunidade valecambrense.”

  • Para além do peso que a identidade industrial que Vale de Cambra tem, com a abertura deste CAE renovado, Vale de Cambra poderá também passar a ter um peso cultural forte, capaz de atrair pessoas das regiões à volta?

“O objetivo é esse. Nós temos um programador cultural, uma pessoa que conhece o meio, os artistas e as dinâmicas culturais. Aquilo que lhe foi pedido é que, dentro daquilo que é a disponibilidade financeira do Município, nós possamos ter os melhores espetáculos que é possível ter aqui.

Se olharmos para o programa da abertura e o programa dos próximos tempos, esse objetivo está mais ou menos atingido. Este espaço não pode ter só espetáculos de elevado nível, têm de ser todos de bom nível. Tivemos há dias uma peça de teatro com a Margarida Vila-Nova, extraordinária, um monólogo, com um desempenho altíssimo da atriz, em que a casa não estava cheia. Mas isto também é a educação de públicos, temos de ir educando os públicos. Recordo que, há dois/três anos atrás, começamos um projeto muito focado nos bebés, nas famílias, nos pais. A primeira sessão tinha duas crianças e duas mães, uma delas a vereadora. Os serviços da Câmara diziam que não ia a lado nenhum e hoje as sessões estão todas esgotadas. Não é um trabalho que se consiga de um dia para o outro e a educação para a Cultura demora tempo.

Isto é educacional, temos de ir trabalhando e educando. No fundo, nisto há que não desistir, não desmoralizar e acreditar que as pessoas que estão lá fora vão perceber a utilidade, a importância e o valor que a Cultura tem. Eu acredito que este espaço vai voltar a ser o que foi nos tempos áureos do Cinema, que estava sempre com as lotações esgotadas”.

Apesar da degradação do espaço, uma das coisas que foi possível reparar foi esta antiga máquina que fazia a projeção de filmes no antigo Cinema

A sala principal do CAE Vale de Cambra

Texto: Simão Duarte

Fotos: Sofia Brandão

sobre o autor
Simão Duarte
Discurso Direto
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