“O medo maior da fidalguia é não se distinguir dos demais”
Acácio Tomba-Lobos, in meditações de taberna
Estava eu a acompanhar o olhar de Ossama – que, da sua varanda, observava “a multidão humana que deambulava” (…), na “cidade milenária da Al Qahira” (…), “uma espantosa variedade de personagens pacificadas pela sua ociosidade; operários sem trabalho, artesãos sem clientela, intelectuais desinteressados da glória, funcionários administrativos expulsos das repartições por falta de cadeiras, diplomados pela universidade vergados ao peso da sua ciência estéril, enfim, os eternos trocistas, filósofos amorosos da sombra e da quietude que dela emana, para quem a deterioração espetacular da sua cidade tinha sido especialmente concebida para lhes aguçar o sentido crítico.”(*) -, quando irrompe, portas adentro, o litígio dos pais dos meninos de um colégio de Braga contra os desígnios da vetusta arquidiocese minhota, proprietária da escola.
Não perderia um minuto com o assunto, dada a minha indiferença pela opção que cabe a cada pai / mãe de colocar os filhos na escola que muito bem entende e, também, pelo desprezo sentido pelo litígio comercial entre consumidor e vendedor do produto educativo, não fosse ter-me apercebido que, afinal, bem lá no fundo, era drama de distinção, fumos de fidalguia, o que estava em causa.
Sob a terminologia habitual da meritocracia educativa; projetos educativos de não sei quê, regulamentos internos de não sei quanto, participação democrática da comunidade escolar e coiso, a cena inclusiva e tal, afinal o problema daqueles consumidores era o de misturar meninos que poderiam manchar o ambiente meritocrático dos seus petizes. Ou seja, poderiam perigar os vintes nos exames e baixar irremediavelmente o nível daqueles rebentos, destinados que estavam a guiar, no futuro, a augusta cidade dos arcebispos. Um horror!
Antes de regressar ao olhar de Ossama e ao espectáculo da Praça Tahir, deixo, a título gracioso, a receita para uma fábrica de vintes:
– definir uma propina alta que afaste os indesejáveis (a qualidade não é grátis);
– recrutar, com atribuição de bolsas, alguns alunos pobres da escola pública, mas com notas altas (aumenta a competição e promove uma imagem inclusiva);
– aumentar o número de horas de aulas das disciplinas estruturantes, as que têm exame (foco no que interessa);
– desenvolver uma prática pedagógica assente no treino intensivo para exames (afinal é o que conta para os rankings);
– atribuir notas máximas nas classificações internas, mormente nas disciplinas não estruturantes (não pode a educação física, por exemplo, estragar a média de uma juvenil promessa).
Não será de menosprezar, ainda, a realização de eventos e cerimónias impactantes para a comunidade escolar, recrutar bons treinadores de exames e ter bons recursos materiais.
Termino com votos de um bom ano de 2025 e um desejo, para todos – que diminuam as horas de ecrãs e aumentem as de leitura… em papel.
(*) – Albert Cossery, As cores da Infâmia, Antígona Editores Refractários
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