A luta de quem precisa vencer as barreiras arquitetónicas dos edifícios públicos

Carlos Barbosa não consegue entrar sem ajuda em edifícios públicos, restaurantes e comércio local de Arouca

O nosso jornal entrou em contacto com o arouquense após a Assembleia Geral de 30 de dezembro, a qual que não conseguiu acompanhar, apesar de ter essa intenção, porque não conseguiu aceder ao espaço do Salão Nobre dos Paços do Concelho, local onde decorreu essa reunião. Carlos Barbosa chegou mesmo a recusar a proposta que lhe fizeram de se sentar numa cadeira e ser carregado até ao andar de cima e participar, por considerar isso “uma humilhação”.

Na semana passada esteve na redação do DD, onde partilhou os vários entraves existentes no concelho, pelos quais passou e ainda passa, uma vez que segundo ele não têm aspeto de melhorar. “Aqui em Arouca, na Praça, sempre que temos um acontecimento como festas, “nós Pessoas com Mobilidade Reduzida nunca conseguimos assistir”, pois refere que que quando o palco é montado, este ocupa toda a lateral da entrada do espaço, vindo “mesmo até à escadaria, e as cadeiras que põem à frente são reservados para as pessoas da câmara”, realçando que mesmo nem para as pessoas de idade são reservados.

“Em Arouca o único espetáculo que eu tenha conhecimento que teve local para deficientes assistirem foi agora, pela altura das colheitas, o concerto dos Chutos e Pontapés, no qual foi reservado um local no passeio, em que a securita que lá estava não me queria deixar entrar porque eu não estava em cadeira de rodas. Tive de lhe explicar que apesar de não estar de cadeira de rodas tenho mobilidade reduzida, e o que ela tinha de me pedir era o certificado de Incapacidade.” CB ainda relatou também que nesse local para além do difícil acesso ao cimo do passeio, e o mau estado em que o mesmo se encontrava, não havia nesse espaço “nenhuma cadeira para que não só pessoas com deficiência ou incapacidade, mas também, pessoas idosas, grávidas, pessoas acompanhadas de crianças de colo se pudessem sentar, o que é inacreditável”, referiu contanto o episódio.

Situações mais “gritantes” e uma legislação mais rígida

“Como obrigatório que é, tem de ser exigido que os edifícios existentes se adaptem e que todos os novos sejam licenciados conforme a norma, sejam eles edifícios novos, ou novos estabelecimentos a abrir em edifícios existentes”, referiu o habitante com mobilidade reduzida, “mas não é o que se verifica”. Carlos Barbosa deu o exemplo de algumas “obras novas”, comoem frente ao Arouquense onde “as árvores estão no meio do passeio e onde não passa uma cedeira de rodas”, e também ao lado do edifício daAGA “abriu lá um negócio no qual julgo ter uma campainha que deve ser para pedir ajuda com o símbolo de deficientes”, todavia, para ir até essa campainha CB afirma que tem de passar por uma rampa muito acentuada num dos extremos. “Eu para chegar ao pedido de ajuda sujeito-me a ter um acidente grave, pois nem a rampa possui corrimão”, acabou por reforçar.

Relata ainda que não se recorda de existir, em Arouca, algum edifício público onde possa entrar sem necessitar de ajuda, e que um dos locais que mais falta lhe fazem são mesmo as piscinas municipais, uma vez que os médicos já lhe passaram “várias declarações ao longo dos anos onde dizem que é benéfico” para a sua saúde “ter movimento em piscina de água quente”, pois possibilita a que “os músculos não fiquem rígidos”. No fundo era o que o Carlos tinha de realizar “para não parar”. No entanto, acabou por nos relatar que nem à receção consegue ir porque a entrada no início da ponte “é muito alta”. “À frente da ponte original temos uma zona verde, e para vencer esta zona verde foi feito um passeio em pedra. Porque é que este passeio ao seguir o mesmo prolongamento da rampa na horizontal, não sofreu uma inclinação para terminar sem degrau”, questionou o entrevistado. O DD ficou a par que seu maior problema fixa-se no seu “arrastar os pés”, uma vez que “tropeça em tudo o que seja saliente”. O quinquagenário assegurou que mesmo que andasse numa cadeira de rodas não conseguiria aceder ao Complexo Desportivo de Arouca, uma vez que não existe espaço para deficientes estacionarem no exterior, e no interior além do problema das entradas, também não há meios de acesso de pessoas de mobilidade reduzida aos vários pisos do edifício.

Restauração e mais edifícios públicos

“Qual é o restaurante em Arouca que está adaptado para receber uma pessoa com mobilidade reduzida?”, pergunta CB, e após pensar um pouco refere que o Pedestre 142 deve ser o único, pois “tiveram o bom senso de colocar/improvisar uma rampa, agora resta saber se as portas têm largura adequada, assim como método de abertura que possibilite o manuseamento por qualquer pessoa, incluindo pessoas de mobilidade reduzida” questionou.

No que toca a portas estas devem ter a largura mínima de 87 cm, “ter um limite de força máxima para serem abertas, não exercendo elevada pressão na sua abertura, e após abertas possibilitarem a entrada ou saída em segurança e conforto, esclareceu.

CB relatou que o Município de Arouca possui uma rampa, “com ilegalidades”, mas também que a porta de entrada existente ao cimo dessa rampa “está muitas vezes fechada”, não permitindo acesso ao edifício, tendo já várias vezes manifestado a sua indignação no Livro de Reclamações, por esse motivo.

“Na última assembleia de câmara quem me veio abrir a porta foi o Sr.º Presidente da Assembleia, e o vereador Sr. Vítor Carvalho pois eu fiz questão de ligar para que viessem pessoas não propriamente funcionários camarários, no sentido que se fosse um funcionário da câmara ia dizer que a porta estava aberta, e eu é que não tinha empurrado bem”, explicou, acrescentando que um cadeirante não consegue entrar em nenhum gabinete camarário porque “as portas não têm largura, são de duas folhas mas só está uma aberta. Além de ao fundo do corredor de acesso (a PMR) existir uma porta de vidro que o Exmº Sr. Presidente da Assembleia Municipal referiu que se tivesse mobilidade reduzida não a conseguiria abrir”. A seguir acrescentou que a Presidente da Câmara Municipal também faz o atendimento ao público no andar de cima, e que nesse sentido tem “direito como qualquer pessoa”, apesar de não conseguir também chegar ao gabinete sem ajuda, além de no andar de cima existirem outros serviços, dos quais CB já necessitou de ter acesso, e não conseguiu por ter mobilidade reduzida.

Apesar de relativamente novas, CB também questionou qual a Loja de Doces Conventuais em Pessoas com Mobilidade Reduzida conseguem entrar? “Não somos dignos de convidar ninguém ou de comprar um doce para oferecer ou trazer para casa”.

Problema exposto mas de difícil resolução

Quando questionado se já expôs estes problemas aos responsáveis a nível local, para que este tipo de situações sejam solucionadas, CB clarificou, ao mostrar um dossiê repleto de queixas enviadas para os mais variados sítios, que normalmente obtém “as respostas mais rascas que pode haver”.

P.ex eu moro na rua Dr. Joaquim de Pinho Brandão, e fiz uma queixa à Câmara por não conseguir entrar no polidesportivo em frente à minha casa, local onde eu se conseguisse entrar podia fazer a minha caminhada rente ao muro lateral, e se fosse a cair agarrava-me à rede. Isto era benéfico.”, exemplificou salientando que “existe aí um lugar para deficientes que nem acesso ao passeio tem”. Todavia esse um lugar de estacionamento para deficientes que é usado por várias pessoas com deficiência, “pois é o único lugar (incluindo parques de estacionamento novos), onde é possível acesso de pessoas de mobilidade reduzida a veículos ligeiros, equipados com plataforma elevatória de acesso. Mesmo assim durante a entrada ou saída da pessoa deficiente do veículo, é ocupada parte da via de circulação automóvel”, informou.

O arouquense questionou quem são os arquitetos destas obras anteriormente referidas, “eu se fosse Arquitecto, ou tivesse um gabinete de Arquitectura, não os queria a trabalhar comigo nem como desenhadores. Se forem obras da câmara têm de ser fiscalizadas, e será que quem fiscaliza estas obras não vê isto? Durante a execução das obras elas não são acompanhadas? Se o são não são constatados erros tão graves? se o são porque não são corrigidos?”, referiu indignado, expondo que nunca viu nenhum caso ser penalizado ou punido.

“No parque do Ribeiro de Gondim existem escadas sem corrimão, e sei que o Sr. Dr. Miler fez referência a isso numa Assembleia de Câmara.

O habitante de Arouca acredita que este problema no concelho não é de difícil resolução, “com aproximadamente 20 mil euros, em meios mecânicos, resolvia-se o problema de mobilidade das piscinas municipais, e com outro tanto o da câmara, bastava colocar nesses locais um meio mecânico elevatório. No caso de alguns estabelecimentos, que têm a porta de entrada recuada, a solução era o espaço entre a parede frontal e a porta de entrada, muitas das vezes em tapete, ser esse espaço até à porta em rampa, e não se necessitava sequer de alterar a porta”, clarificou.

Carlos admite que ainda não viu a ecovia do Arda pois uma vez já foi aconselhado a não a realizar, uma vez que se podia estar a “pôr em risco, devido à existência de partes com subidas e descidas acentuadas”.

O arouquense deu ainda o exemplo “qualquer pessoa que conheça minimamente Arouca, se imagine sem mobilidade motora, percorra o Centro de Arouca e veja em que estabelecimentos públicos e privados, abertos ao público, um individuo sem autonomia motora (em cadeira de rodas) consegue entrar, seja esse estabelecimento antigo ou novo (provavelmente não entrará em mais de 90% dos existentes), tendo que acabar por solicitar ajuda às pessoas em geral.” Após esta questão CB pediu que “sempre que constatem tais factos o exponham no Livro de Reclamações, pois para velhos todos caminhamos, e um dia todos iremos querer ter acesso a todos os locais, assim como qualquer outro cidadão. O mundo é para todos, não é só para alguns!”.

Posição do Município de Arouca

Após questionada pelo DD relativamente aos factos anteriormente dispostos a Câmara Municipal de Arouca confirma que o munícipe Carlos Barbosa efetuou nos últimos anos, um conjunto de exposições e reclamações “às quais foi dada resposta nomeadamente através de ofício, sendo prestados os esclarecimentos considerados pertinentes face às questões levantadas.”

No que toca a essas reclamações apresentadas que “têm como fundamento alegadas irregularidades no que respeita ao cumprimento das normas de acessibilidade legais aplicáveis à mobilidade”, o Município revela estar a cumprir a legislação vigente em intervenções recentes, como é o caso da requalificação da zona poente da vila que foi melhorado o aceso a PMR através do “rebaixamento nos passeios, a adoção de pavimentos lisos, sinalizações podotáteis”. Reforçam que o Parque do Ribeiro de Gondim, tem duas entradas principais que se realizam por rampa “com a inclinação adequada não tendo sido considerado como necessário a existência de corrimão”, e ainda o Museu Municipal de Arouca foi intervencionado através de financiamento do “Turismo de Portugal ao abrigo do Programa Valorizar, na linha de apoio ao Turismo Acessível”.

Todavia têm consciência que “no que respeita às obras e equipamentos há muito concluídos, haverá necessidade de se proceder à realização de alguns trabalhos de adaptação, sendo que as eventuais melhorias a realizar estarão sempre condicionadas aos constrangimentos e pré-existências dos locais.” Mais referem que o edifício dos Paços dos Passos do Concelho “foi alvo de intervenção para melhorar a acessibilidade com a construção de rampa de acesso a pessoas com mobilidade condicionada na lateral poente do edifício. Este acesso, com exceção do período da pandemia, encontra-se aberto durante o horário de funcionamento dos serviços municipais.” Clarificaram ainda que para assegurar o acesso ao primeiro piso do edifício, foi adquirida em 2017, “uma cadeira especial assistida a motor elétrico, que fruto da falta de uso, se encontrava com a respetiva bateria viciada e inoperacional aquando da deslocação do referido munícipe à sessão ordinária da Assembleia Municipal de 30 de dezembro do ano transato.”

No que concerne aos eventos como concertos asseguram que se encontra “assegurada a respetiva acessibilidade a pessoas com mobilidade condicionada”, tal como é o caso do “Auditório da Loja Interativa de Turismo, do Museu Municipal, da Biblioteca Municipal e do Terreiro de Santa Mafalda”. “Nos concertos que têm decorrido na Praça Brandão de Vasconcelos, tem-se procurado permitir o acesso às primeiras filas a pessoas com mobilidade condicionada, podendo ter havido, contudo, alguma situação pontual em que a estrutura de palco montada possa ter dificultado, ou até mesmo impedido, esse acesso, aspeto ao qual procuraremos estar mais atentos em eventos que venhamos a organizar naquele espaço.”

Concluem ao garantir que o Município vai estar sempre disponível para melhorar as “acessibilidades a eventos e infraestruturas municipais, dentro das condicionantes existentes, sendo igualmente importante que haja uma postura construtiva por parte de todo e qualquer cidadão arouquense que, como o Município, luta pela construção de um concelho mais inclusivo.”

Texto: Ana Castro

Fotos: Carlos Pinho

Passeios inadequados a pessoas com mobilidade reduzida
Os estacionamentos para pessoas com deficiência “sem dimensões exigidas por lei”
Carlos Barbosa a dar o seu testemunho na redação do DD
sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
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