No princípio do século XIX Portugal sofreu três invasões por parte dos exércitos franceses, na tentativa de colocarem o nosso país debaixo do poder férreo de Napoleão Bonaparte.
O que era o então concelho de Arouca, ao contrário do que alguns pensam, não teve que se sujeitar aos desmandos dos soldados franceses. Os mesmos, apesar de tentarem, não conseguiram entrar no vale de Arouca, pois a defesa que foi feita na altura pelas milícias arouquenses, enquadradas por oficiais do nosso exército, de que se destacou o comandante Luiz Paulino d’Oliveira Pinto da França[1], conseguiu sustê-los no lugar da Farrapa, da freguesia de Chave, onde houve escaramuças, de que se lamenta a morte de vários milicianos arouquenses.
Mas o medo que se formou na população levou-a a tomar atitudes irracionais. Os registos paroquiais da época relatam-nos alguns casos trágicos.
Logo em 1809, o povo amotinado matou na praça desta vila o capitão-mor da Terra da Feira, João de Oliveira Camossa, cujo registo de óbito, feito pelo então pároco da freguesia de São Bartolomeu, José Vicente Carneiro de Vasconcelos Nobre, é bem elucidativo da barbárie cometida:
«Aos trinta do mes de março do anno de mil oito centos e nove prezo pelo povo, e depois confessado e cummungado hum homem que unanimemente se disia ser o Capitão mor João d’Oliveira Camorsa da Terra da Feira, foi pelo mesmo povo assassinado por dizerem que era traidor á Patria, e para que a todo o tempo constasse fiz este assento. Foi enterrado no adro desta Igreja aos trinta e hum do mesmo»[2].
O mesmo pároco, mais adiante, no mesmo livro, nos dá mais informações, sobre o terror que provocou a invasão dos franceses:
«Antonio Ferreira Cambres da Praça d’esta Villa estando enfermo se confessou e recebeu o Sagrado Viatico, e no receio de ser invadido este paiz pelos Francezes em setembro de mil oito centos e des foi conduzido para a freguezia de Santa Eulalia onde falesceu a des d’Outubro do mesmo anno»[3].
– «Maria Perpetua criada que era do Real Mosteiro d’esta Villa tendo sahido da clausura quando da mesma sahio a Communidade pelo receio de ser invadido este país pelos Francezes falesceu com o Sacramento da Extrema-unção a nove de janeiro de mil oito centos e onze não podendo receber o Sagrado Viatico por não falar, nem dar sinais e foi sepultada n’esta Igreja a des. Nada testou»[4].
Este pavor aos franceses com certeza que também provocou muitos outros danos na população, sobretudo no seu equilíbrio mental. Mas desses danos, se os houve, não foi possível chegar o seu conhecimento aos dias de hoje, por não haver qualquer registo.
[1] Nasceu a 30 de junho de 1771, em São Salvador da Baía, Brasil. Filho de Bento José de Oliveira, de Soalhães, Marco de Canaveses, e Maria Francisca Ferreira d’Eça, da Baía. «Em 1809 foi incumbido de defender a posição de Arouca, que representava o baluarte mais avançado do dispositivo aliado. A luta foi violenta: durante nove dias, as tropas francesas tentaram, sem resultado, entrar na vila, e acabaram por desistir. Mas pelo menos tão impressionante como o êxito das armas, me parece a lição dada pela correspondência trocada entre a Câmara de Arouca e ele, comandante português. A Câmara agradece-lhe a forma como ele defendeu a vila não só com muita bravura, mas – passo a citar – “sem opressão de pessoa alguma, com limpeza de mãos, antes liberalizando de sua própria algibeira o pobre povo que o seguia”. Por seu lado, ele escreveu à Câmara agradecendo a conduta dedicada da população, e pedindo que lhe mandassem a conta de alguma dívida em que, directa ou indirectamente, a título público ou a título pessoal, pudesse ter para com alguém em Arouca, para imediatamente mandar satisfazer qualquer obrigação». (CARTAS BAIANAS (1821-1824), Temas Portugueses, Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 1984).
[2] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 30v.
[3] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 38v.
[4] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 40.
[1] Nasceu a 30 de junho de 1771, em São Salvador da Baía, Brasil. Filho de Bento José de Oliveira, de Soalhães, Marco de Canaveses, e Maria Francisca Ferreira d’Eça, da Baía. «Em 1809 foi incumbido de defender a posição de Arouca, que representava o baluarte mais avançado do dispositivo aliado. A luta foi violenta: durante nove dias, as tropas francesas tentaram, sem resultado, entrar na vila, e acabaram por desistir. Mas pelo menos tão impressionante como o êxito das armas, me parece a lição dada pela correspondência trocada entre a Câmara de Arouca e ele, comandante português. A Câmara agradece-lhe a forma como ele defendeu a vila não só com muita bravura, mas – passo a citar – “sem opressão de pessoa alguma, com limpeza de mãos, antes liberalizando de sua própria algibeira o pobre povo que o seguia”. Por seu lado, ele escreveu à Câmara agradecendo a conduta dedicada da população, e pedindo que lhe mandassem a conta de alguma dívida em que, directa ou indirectamente, a título público ou a título pessoal, pudesse ter para com alguém em Arouca, para imediatamente mandar satisfazer qualquer obrigação». (CARTAS BAIANAS (1821-1824), Temas Portugueses, Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 1984).
[1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 30v.
[1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 38v. [1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 40.
Com certeza que todo o concelho foi afetado com estas guerras. Mas poucos casos ficaram registados para a posteridade. Na freguesia de Várzea, o então Reitor Gonçalo José de Almeida Magalhães, pouco tempo antes de falecer (morreu a 30 de abril de 1813), teve a preocupação de registar no livro de óbitos da paróquia, alguns soldados daquela freguesia mortos nos confrontos com os invasores franceses:
«No dia vinte e hum de Maio do anno de mil e oito centos e nove faleceo Joze solteiro filho de Sebastião Joze Nunes do lugar de Laceiras desta freg.ª de Varzea, cujo os Francezes quando viheram a Farrapa o prizionarão e matarão».
– «Aos trinta dias do mes de Março do anno de mil e oito centos honze faleceo Manoel de Souza Guerra filho de outro do lugar do Mato de S. Paio desta freg.ª de Varzea Soldado Meliciano cujo morreo na Praça de Abrantes».
– «Aos tres dias do mes de Abril do anno de mil e oito centos e des faleceo Manoel de Pinho f.º de M.el de P.º do lugar de S. Fins desta freg.ª de Varzea de Arouca Soldado pago da Lial Legião Luzitana cujo morreo no Hospital de Coimbra».
– «Aos dois dias do mes de Abril do anno de mil e oito cetos e honze faleceo Joaq.m soltr.º f.º de Manoel Gomes de Solibeira desta freg.ª de Varzea de Arouca Soldado pago cujo morreo no Hospital de Coimbra».
– «Aos doze dias do mes de Agosto do anno de mil e oito centos e des faleceo Manoel solteiro f.º de Antonio Ferr.ª Minente do lugar de Securraes desta freg.ª de Varzea Soldado Meliciano cujo Morreo na praça de Abrantes»[1].
Também na freguesia de Arouca, o mesmo pároco, nos registos de óbitos, nos dá mais notícias de várias vítimas destas invasões:
«Nas hospedarias deste mosteiro de Arouca se achou morto hum rapás que denotava ter d’idade dose annos pouco mais ou menos, cujo nome não pude averiguar, e que dizião ser de Mangualde, o qual tinha aqui aportado com o exército que commandava o Excelentíssimo General Ilson, e que ficando doente com outros soldados morreu este sem que me chamassem para lhe administrar os Sacramentos. Foi enterrado nesta Igreja»[2].
– «Jose Dias solteiro da freguesia de S. Tiago de Pinheiro Arcebispado de Braga soldado do Regimento de Guimarães falesceu com o Sacramento da Penitencia aos vinte e hum de janeiro de mil oito centos e onze tendo vindo no Exército que comandava o general Carlos Miler, entre os doentes do mesmo exército»[3].
– «Manuel Jose de Sá da freguezia de Santa Leocadia de Fradelos Arcebispado de Braga soldado Meliciano do Regimento de Villa do Conde logo que aqui chegou doente apenas foi ungido por não falar nem dar sinais da contrição. Era doente do Exército do General Miler. Foi enterrado no adro d’esta Igreja aos vinte e sinco de janeiro de mil oito centos e onse»[4].
Aqui ficam alguns apontamentos, sobre um período muito complicado do nosso país como nação independente, cuja independência custou muito sangue, suor e lágrimas aos nossos antepassados.
A história não deve ser esquecida… pois só com o conhecimento da história, certamente que poderemos estar mais preparados para enfrentar os perigos que nos possam aparecer no futuro.
[1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de Várzea, Arouca. Livro de Óbitos, n.º 40 (1743/1859), fls. 75v. e 76.
[2] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 31.
[3] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 40v.
[4] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 40v.
[1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de Várzea, Arouca. Livro de Óbitos, n.º 40 (1743/1859), fls. 75v. e 76.
[1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 31.
[1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 40v. [1] ADAVR – Registos Paroquiais da freguesia de São Bartolomeu de Arouca. Livro de Óbitos, n.º 25 (1802/1831), fls. 40v.
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