Há quem tenha uma visão bastante supérflua do futebol, resumindo-o a pouco mais do que um desporto onde 22 atletas correm atrás de uma bola durante largos minutos, pontapeando-a constantemente. E ainda que o futebol se tenha tornado cada vez mais um negócio, repleto de novidades estranhas e cada vez mais afastado do adepto comum, ainda existem várias histórias que valem a pena contar.
É o caso do treinador Luís Figueiredo, natural de Santa Eulália (Minhãos), que atingiu a marca redonda de 20 anos de carreira ligado ao treino e ao jogo. Em entrevista ao Discurso Directo, o técnico falou-nos da sua carreira e das várias experiências que vivenciou, em Portugal e lá fora, bem como dos dissabores que, infelizmente, fazem parte do seu percurso. Após publicarmos, na última edição do jornal impresso, um compacto da entrevista, iremos agora publicar no nosso site, por partes, os vários temas abordados. Na primeira parte, conhecemos os primeiros passos da carreira de Luís Figueiredo. Nesta segunda parte, ficaremos a saber como foram as suas passagens por clubes da nossa região (AD Valecambrense e FC Arouca), onde contactou, por exemplo, com Morlaye Sylla, bem como as especificidades da função de coordenador técnico (e as diferenças com a do treinador) e o porquê de não ter registado outras experiências nos diversos clubes de Arouca, Castelo de Paiva e Vale de Cambra.
“Também foi por aí. O convite surge, o treinador principal era o Bruno Antunes, que também é daqui de Arouca, de Rossas. Fui também como adjunto, pela parte do treino de GR, e por ser perto de casa.
Tive algumas possibilidades, e no futebol, aquilo que mais acontece são as possibilidades, de para aqui e para ali. Eu lembro-me que, na altura, quando saímos do Mirandela, tive um convite para ir para o Luxemburgo e tive 1 mês a mala feita. A conversa do clube era “Vais viajar na próxima semana”, chegava à próxima semana e “É na próxima semana é que vais viajar” e então a mala estava feita, fiz a primeira vez e ficou.
As possibilidades no futebol é algo que, infelizmente, é muito irrealista, ou seja, possibilidades existem muitas, mas depois em concreto é que é o problema.
Quando surgiu essa parte do Valecambrense, de acompanhar o Bruno, foi também por de ser perto de casa, para abrir portas, para estar no ativo, para estar a pensar, a refletir, a ver, a ajudar. Nós, se formos só teóricos, e o mundo está cheio de teóricos, e por vezes para estar porque nós na se for só teóricos e o mundo está cheio de teóricos, e muitas vezes a teoria na prática é ligeiramente diferente.”
“Em 16/17, comecei a época no Algarve, no Lusitano de Vila Real de Sto. António. O treinador era o Ricardo Sousa, eu era o treinador principal dos juniores. Entretanto, o clube teve problemas, começou a ter problemas financeiros, dos investidores, já começou tarde e eu fui o primeiro a sair.
Depois, tive oportunidade da assumir a seleção da Coreia do Norte, que vinha das sanções impostas pela FIFA. Na altura, eles queriam reformular todo o futebol, por isso o nível de treinador era irrelevante. O contacto que eu tinha dentro da federação estava empolgado para ter um treinador português. Entretanto, o treinador que lá estava, que era um treinador alemão (Jorn Andersen), renovou contrato por mais 4 anos e a possibilidade ficou em standby. Já tínhamos os vistos feitos para ir visitar o país, ficou em standby.
Passado algum tempo, surge a proposta do FC Arouca e a minha preocupação como coordenador técnico, e eu aqui já vou falar um pouco das minhas experiências, porque depois estive em mais clubes e experimentei diversas coisas diferentes, lá está, a prática depois leva-nos a experimentar.
Quando chego ao FC Arouca, a minha única preocupação foi organizar o clube. Não havia documentação nenhuma, não havia planos de treino, e a minha preocupação foi dar organização ao FCA, meter os treinadores a fazer planos de treino, deixar os dossiers todos feitos, para quem viesse a seguir a mim ter suporte documental, para saber aquilo que foi feito.
Na altura, organizei um departamento de scouting, para o FCA, para a formação. Na altura, estávamos a lutar, e foi na época em que tivemos quase a subir à 1ª Nacional de juniores, fizemos uma época fantástica. No meu entender, era importante o FCA, clube que nessa época foi às competições europeias, começar a estruturar a formação e começar a selecionar atletas para poder incorporar. Essa foi a primeira preocupação, organizar o clube, deixar suporte digital, departamento de scouting, deixar jogadores referenciados.
Conseguimos ter uma rede de scouting em Portugal e também no estrangeiro, fizemos alguns eventos para dar formação aos nossos treinadores e essa foi a principal preocupação.
Depois, nas outras experiências que eu tive como coordenador técnico, na Sanjoanense, já foi um pouco diferente, já fui mais à parte do modelo de jogo, de estabelecer um padrão desde baixo, desde as escolinhas de futebol até ao juniores, trabalharem todos da mesma maneira, mas depois, na prática, deparei-me com um problema, que era: os treinadores, tendo referências, quando iam aplicá-las na prática, não as aplicavam como deveria ser, e cada um ia fazer à sua maneira. Ou seja, aquilo que estava planeado, depois na prática iria sair um bocadinho daquilo que era planeado. E então, muitas vezes eu sabia o que é que estava planeado, chegava ao treino e eles estavam a fazer uma coisa completamente diferente.
Foi um problema que eu deparei que foi, com aquilo que era transmitido aos treinadores, dando-lhes a capacidade e liberdade para serem eles a construir as unidades de treino, essas unidades de treino não era trabalho da mesma forma.
Quando vou para o Benfica, e o convite surge quando estava na ADS, vou ter formação ao Benfica, ao Estádio da Luz, e deparo-me com um mundo completamente diferente. O coordenador técnico é que planifica os treinos, o treinador aplica na prática, e aí não há como errar. Quando vou para a Índia, entra o COVID, os projetos ficam em standby. Eu resolvo abrir, em conjunto com o Mosteirô FC de Sta. Maria da Feira, uma escola Benfica, que, neste momento, já conta com 200 e muitos atletas, cresceu exponencialmente nestes últimos 5 anos.
Depois vou para a Finlândia e, quando venho, o Benfica volta-me a contactar para ir para os projetos internacionais e vou para a Índia. Quando vou para a Índia, em que faço a planificação desde as escolinhas até a equipa B, em que planifico todos os treinos, reúno-me com os treinadores, explico e eles depois vão aplicar no campo.
Fizeste-me a pergunta de qual é a diferença: a meu ver, é idêntica, é como se os treinadores fossem os adjuntos e eu delegasse o trabalho, para que haja um fio condutor. E aquilo que eu depois vi no terreno, é completamente diferente, a evolução dos miúdos, a evolução dos próprios treinadores, os jogadores jogarem, seja qual for o escalão, e identificarem o modelo do jogo e colarem à equipa é extremamente gratificante.
Por isso, trabalhei em 3 clubes de 3 maneiras diferentes, mostrando o trabalho de coordenador técnico de 3 maneiras diferentes e considero que aquela que dá mais vantagens é aquela em que tens controlo sobre todo o processo. É lógico que aqui depois tens os treinadores que podem dizer assim: “Então, mas onde é que entra o trabalho do treinador?”. Entra depois na escolha do jogadores, quanto tempo é que dá, porque na ideia, e aqui a ideia de formação, é formar, é fazer com que o atletas das Escolinhas seja identificado e possa evoluir de uma mesma maneira de trabalho, para quando chegar aos sub-19 seja identificado e possa jogar na equipa sénior. Esse deve ser o trabalho de uma escola de futebol, porque se nós trabalhamos com os treinadores de cada escalão a fazerem trabalhos completamente diferentes, nunca vai haver um fio de ligação, nunca vai haver uma conexão e o desenvolvimento do atleta vai ser muito mais lento, perdendo aqui depois esse trabalho.
“Era um jogador fantástico! Nós, nesse ano, tínhamos alguns jogadores fortíssimos, o Sylla, um outro jogador da Guiné Conacri, o Alseny Soumah, que também era muito forte e fizeram imensos treinos com a equipa principal. Eram jogadores que nós dizíamos que iam dar!
Nessa época, o FC Arouca teve uma parte final de treinadores de formação de luxo. Tínhamos o Jorge Maciel, que era da equipa técnica do Lito Vidigal, que não foi com ele para Israel, e depois quando veio o treinador adjunto (Jorge Leitão) só ele é que continuou. Os outros saíram todos, só que não chegaram a acordo para rescindir. Então, o que é que aconteceu, foram todos para a formação. O Jorge Maciel, o filho do Vítor Pereira, do árbitro, o Diogo Pereira, que pegou na equipa feminina. Os melhores treinadores que, se calhar, passaram pela formação do FCA nos anos todos.
Depois estivemos a lutar e penso que na altura não subimos à 1ª Nacional por uma questão de um ponto que não conseguimos essa subida, na primeira fase. Na segunda fase, que era a de manutenção, ficamos em 1º lugar, com uma distância muito grande das outras equipas.
O Sylla já na altura demonstrava ter qualidades em que nós dizíamos que ele merecia ser incorporado na época seguinte no plantel principal.”
“Não, por acaso, não apareceu. É difícil perceber como é que os treinadores entram aqui nos clubes em Portugal. Acho que vai muito através dos contactos, e não da análise do trabalho que é feito. O único clube em que venho a trabalhar é no Carregosense, na época passada, mas, por muita pena minha que não tivesse essa oportunidade de trabalhar em clubes aqui da terra. Vamos ver no futuro o que é que acontece. Eu nunca fecho as portas a nada, e se eu tiver oportunidade, posso não trabalhar ou estar ligado no terreno, mas sempre que eu puder ajudar, dando ideias, ajudando a estruturar, terei sempre esse prazer de tentar estar ligado e ajudar os clubes a evoluir”.
Texto: Simão Duarte
Foto: Sofia Brandão
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