Café Bilhar New York: três décadas de resistência e adaptação

Em Vale de Cambra, existe um espaço que persiste ao tempo, às modas e até mesmo aos momentos mais conturbados— chama-se Café Bilhar New York e, como o nome assim o indica, é muito mais do que um simples café. Fundado há quase 30 anos, continua a ser um ponto de encontro para quem gosta de jogar bilhar, dardos e, acima de tudo, conviver. Miguel Silva, responsável pelo estabelecimento desde o início, esteve à conversa com o Discurso Direto onde falou sobre a história, as dificuldades e a dedicação que mantém viva esta casa.

As competições de bilhar e dardos

Tudo começou em 1996, quando Miguel Silva e o pai decidiram abrir este negócio. A partir daí, cresceu um local que continua a marcar gerações. O espaço evoluiu, acompanhando as mudanças da sociedade – começou por ser um salão de jogos e, atualmente, o Café Bilhar New York alberga também a Associação de Bilhar New York. “Tenho três equipas a jogar: uma na primeira e duas na segunda divisão. Tenho formado várias equipas ao longo do tempo e continuamos em competição”, explicou. No total, são 25 atletas que representam a casa, divididos nas modalidades de bilhar e setas.

Apesar do ambiente competitivo que o desporto acarreta, Miguel destacou o lado mais informal do jogo. “O bilhar é um hobbie. Dá para jogar a nível individual e por equipas. Agora até temos uma equipa apurada para as fases finais e, este ano, apurei pela primeira vez um atleta de snooker para a Taça de Portugal”, referiu.

Contudo, a prática desportiva traz consigo custos elevados. “A inscrição de cada atleta custa 25 euros, mais o seguro. Mais as provas: por cada equipa pago 230 euros. No total, andamos pelos 3 mil a 4 mil euros por época”, apontou Miguel, que aludiu à necessidade de conseguir patrocínios para manter viva a atividade. “É preciso arranjar patrocínios para cobrir isto tudo, porque é o clube que se responsabiliza por tudo, paga tudo. A Federação oferece o hotel, já não é mau. A nível individual, é cada atleta que, se quiser jogar, se inscreve nas provas e paga, depois se ficar nos primeiros lugares também tem direito a prémios. Mas também a Federação paga-lhe a estadia. A nível de dardos, é diferente. Antes da pandemia íamos aos cafés. Agora jogamos online, é tudo feito aqui na nossa casa”, concluiu.

Para além destas competições organizadas pela respetiva Federação, Miguel também prepara outros eventos: “Às vezes organizo uma prova que se chama um “Open” que tem 32 atletas e faço quando começa a época, em finais de setembro. Vêm muitos jogadores do Boavista, do Braga, do Porto, por aí fora, porque os prémios são aliciantes. Havendo bons prémios tudo funciona”.

“Quem tem um estabelecimento tem de se adaptar, senão fecha a porta”

O estabelecimento não ficou imune aos anos críticos da pandemia covid-19. Nesse período, Miguel Silva viu-se, como tantos outros, forçado a encerrar o espaço: “estive fechado e aí é que fui obrigado a mudar a licença. Na altura, os salões de jogos não podiam estar abertos e foi quando eu mudei: era salão-café e eu troquei, agora é café-salão/bilhar. Tive de mudar a licença, apresentá-la e só depois é que abri”, recordou, mencionando a importância da adaptação aos diversos momentos: “A gente vai-se adaptando consoante os tempos. Quem tem um estabelecimento tem de se adaptar, senão fecha a porta”.

Também as mudanças de hábitos das gerações fazem com que os negócios encontrem novas soluções para atrair clientes. No início deste século, Miguel recordou que “veio aquela loucura do Couter-Strike”. Considerou que foram anos positivos porque “cheguei a ter 20 computadores aqui, meti 10 computadores na parte de cima e passado um mês já estava a meter mais 10 na parte de baixo”. Mas depois da bonança, surgiram outras rotinas mais complexas: “depois vieram os computadores e os telemóveis e isso vai afastando a juventude deste tipo de negócios, por isso é que eu passei a café, senão já estava fechado. É insustentável ter uma casa se não tiver clientes”.

Os tempos atuais não têm sido fáceis para locais como o de Miguel. “Naquela altura tudo trabalhava, tudo estava cheio, ao fim das aulas, por exemplo. Agora não, o negócio está muito mau. E também se vai perdendo a cultura de se jogar este tipo de jogos… Antes as pessoas não tinham em casa e eram obrigadas a sair. Agora tudo tem, até melhor do que eu se calhar tenho aqui no meu estabelecimento. O pessoal hoje em dia tem tudo em casa e não sai. Perdeu-se aquele convívio. Na altura, porque é que as casas estavam cheias? Porque a gente, para marcar com os amigos, tinha de marcar um local, tínhamos de estar à espera. Agora as pessoas mandam uma mensagem, já nem chegam a entrar, não é preciso esperar”, revelou.

“O mundo lá fora está muito perigoso”

Por fim, Miguel Silva apelou para que as pessoas visitem o estabelecimento, principalmente aqueles que demonstram interesse pelos desportos que o espaço tem. “Para quem gostar da modalidade, convido toda a gente que, se quiser entrar, é só procurar-me. E é uma maneira da juventude fugir aos vícios que há lá fora, mantêm-se ocupados. O mundo lá fora está muito perigoso. E isto é bom, faz bem, quem joga diz que é uma terapia. Tenho aqui pais e filhos a jogar por equipas. E depois é o que eles dizem: “trago aqui o meu filho para lhe ocupar um bocadinho o tempo, para não andar lá fora sempre com o telemóvel”, começou por contar.

“A nível de estabelecimento, tento fazer o melhor, cativar e chamar clientes, porque isto não está fácil. A história de um estabelecimento resume-se a isso – temos de andar sempre a ver o que é que podemos fazer para ver se conseguimos chamar mais gente. Se a gente não fizer nada, não tem. Se fizer alguma coisa, consegue sempre chamar alguém. Parecendo que não, estas provas que eu tenho, da Federação e tudo mais, ajudam bastante, porque eu numa prova individual recebo, às vezes, 16 atletas. É muito bom para uma casa”, concluiu.

O Café Bilhar New York está localizado na R. Dr. Domingos de Almeida Brandão, em Vale de Cambra. Durante a semana (segunda a sexta), funciona das 10h00 às 2h00 horas, enquanto aos domingos abre à tarde (13h00 até às 2h00).

Texto e Foto: Sofia Brandão

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Sofia Brandão
Discurso Direto
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