Vivemos num tempo em que a velocidade da partilha supera, muitas vezes, a nossa capacidade de pensar. Num gesto aparentemente inocente, arruína-se uma vida. A partilha de conteúdos íntimos sem consentimento, especialmente em contextos de violência ou abuso, como vídeos de violações ou fotografias tiradas sem autorização, é mais do que uma violação da privacidade: é uma agressão que continua e que se amplifica com cada visualização.
É essencial reconhecer que partilhar ou divulgar este tipo de conteúdos é crime. Não é apenas condenável do ponto de vista moral, é ilegal e desumano. A facilidade com que se clica em “enviar” não pode sobrepor-se à dignidade de alguém que nunca consentiu estar exposto.
Mas a gravidade não está apenas em quem grava ou divulga inicialmente. Está também em quem vê, em quem comenta e em quem partilha como se nada fosse. A indiferença também é cumplicidade. Cada visualização está, inadvertidamente, a banalizar a violação sexual e a violação de privacidade.
O problema reside em continuarmos a tratar a violação como um assunto tabu. Há que ter consciência e ação. Num tempo em que a tecnologia nos aproxima de tudo, é fundamental que não nos afaste da empatia e que não nos roube a responsabilidade coletiva de proteger o próximo.
Recentemente, milhares de pessoas saíram à rua para dizer, de forma inequívoca, que a violação não é passível de perdão. Este grito coletivo é um sinal claro de que a sociedade (ou pelo menos uma parte dela) está desperta, e pronta a lutar pela mudança. Uma dessas mudanças passa por ser a revisão da legislação, que ainda considera a violação um crime semipúblico. Isto significa que, regra geral, o processo judicial depende exclusivamente da apresentação da queixa do ofendido – que, além de tudo o que já sofreu, carrega o peso de ter de denunciar a situação.
Tornar a violação um crime público é reconhecer que este não é um problema privado, mas sim uma ferida social. É permitir que qualquer pessoa possa agir, denunciar e intervir. É uma forma de dizer às vítimas que não estão sozinhas, e aos agressores que a impunidade já não tem lugar.
Temos de ser melhores. Temos de agir melhor. E temos de educar melhor. Porque cada gesto conta. Defender o consentimento e a integridade não pode ser opcional, e tem de ser o ponto de partida de qualquer sociedade que se queira verdadeiramente justa.
Opinião de Maria Noites
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