Neste regresso às aulas, o Ministro da Educação, João Costa, defendeu a democratização da cultura através do ensino. Meses antes, já o Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, defendia a cultura mais integrada no contexto escolar, dizendo ser preciso “fazer da sala de aula um verdadeiro território de cultura” e acabar com as distinções entre “a alta cultura e a outra cultura”. Aparentemente, os ministros estão em sintonia. Todavia, é preciso distinguir a democratização da cultura da democracia cultural, sendo a primeira defendida por João Costa e a segunda por Adão e Silva, nos casos referidos. O desejável, à luz da atualidade, é que estes conceitos se complementem nas políticas culturais.
De facto, a democratização do ensino e a mobilidade escolar intergeracional são fatores significativos nos hábitos culturais da população portuguesa, como demonstram os estudos recentes. As tutelas da cultura e da educação têm vindo a trabalhar conjuntamente no Plano Nacional das Artes. Este instrumento de política cultural já foi além da democratização da cultura, assumindo como objetivo claro (e pela primeira vez no país o objetivo torna-se explícito no campo dos discursos políticos) a democracia cultural, designadamente com a Carta do Porto Santo.
Importa ter em conta que a democracia cultural surge como crítica à democratização e consequente hierarquização da cultura. Simplificando, falar em democratização é, para os críticos deste conceito, falar na existência de uma cultura superior que está ao alcance dos grupos dominadores, enquanto os grupos dominados apenas podem ter acesso a usufruir dessa cultura. Por outro lado, a democracia cultural integra todas as obras e práticas artísticas no mesmo nível, abrindo margem para a participação cívica na produção e nas práticas artísticas. O Plano Nacional das Artes – como já se pode observar inclusivamente em Arouca – assumiu a democracia cultural como objetivo explícito, portanto, pressupõe que nomeadamente a comunidade escolar possa participar em processos de criação e não apenas consumir cultura numa lógica passiva.
Apesar do conceito de democracia cultural ter surgido há várias décadas, em Portugal, só a partir do final da década passada é que este começou a ser abordado na ciência e apenas na corrente década passou então a estar explícito nos discursos políticos.
Defendo que o desejável é um equilíbrio entre ambos. Isto porque a democracia (participação) pressupõe a democratização (acesso), embora seja considerado pelos estudiosos que estamos perante dois conceitos antagónicos.
Em Arouca, têm vindo a ser realizadas atividades dentro desta lógica, nomeadamente na área da música com concertos que unem vozes locais a outras mais conhecidas. Também o projeto “Botar cantas na escola”, inserido no Plano Nacional das Artes, assenta, em parte, nesta lógica de permitir o acesso a, e, ao mesmo tempo, abrir a possibilidade de participação.
Falar de democratização da cultura ignorando a democracia cultural é admitir que há grupos dominados e grupos dominadores e que os grupos dominadores têm em si o poder de definir o que é a cultura boa, enquanto aos dominados estará sempre destinada uma cultura inferior – tal como explica o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Por outro lado, apesar de as gerações mais novas serem mais ecléticas do que as anteriores, importa salientar que esse ecletismo acontece de cima para baixo. As políticas culturais orientadas para a democracia cultural devem nivelar a escolarização e as oportunidades, por forma a permitir a existência de movimentos ecléticos de baixo para cima. Aí, sim, estaremos perante uma sociedade de democracia cultural, na qual todas as obras e práticas artísticas partem do mesmo ponto valorativo.
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