Por: Alberto de Pinho Gonçalves
O alto do monte da Senhora da Mó, até ao século XX, era apenas acessível através de carreiros e caminhos de carros de bois, como acontecia um pouco por todo o lado.
Principalmente no dia da festa, os romeiros muniam-se do respectivo farnel e monte acima, com a carga às costass ou à cabeça (caso das mulheres), por carreiros ingremes lá demandavam o alto do monte.
Sobre o que era a Senhora da Mó nos tempos passados, Albano Ferreira (um arouquense “doente” pela sua e nossa terra), nos informa nos seus belos escritos que denominava «Arouca vista de dentro», no jornal local. Desses escritos, respigamos o seguinte:
«Estradas e camionetas modificaram o acesso, como o adro foi também melhorado por um arouquense esquecido e que justo é o relembremos nesta emergência. Elias Soares de Carvalho. Este Elias Soares de Carvalho pontificava no cartório de meu pai e pronunciava a palavra “e dipois” (com um i) nas longas controvérsias com o Roque, o João da Glória e o Carvalhas, todos colegas e camaradas. Foi Elias Soares de Carvalho o mais “doente”, o mais saudoso e um dos mais fervorosos de todos nós, arouquenses. Teve a paixão da sua terra e da Senhora da Mó. Justa e oportuna esta ligeira homenagem.
Mas a festa da Senhora da Mó tinha uma preparação especial que era de grande apetite e interesse para a rapaziada. Oito dias antes, pelas Trindades, ouvia-se o repique festivo dos sinos do Convento e, lá no alto, o estrondo dos morteiros do Feijão e, precedido de pequenos clarões, o estralejar do foguetório, por cima da capela. Isto é que era bonito e sugestivo. Depois, chegava a véspera, vinha de tarde o Cantinho, com o carro e os bois, à porta da Igreja carregar a sineta para a capela e os apetrechos para o culto. E quase à tardinha aparecia então a música que parava, em roda, na Praça, como se fosse o adro da capela e dali a pouco tomava a direcção desta para se tornar a ouvir só à noite, lá do alto. Então vinha tudo para a rua ver a iluminação do adro, com muitas luzinhas alinhadas e a tremer, a dar a ilusão de velas acesas e que mais não era do que umas fogueiras de pinhas, de que ao outro dia a gente se certificava ao deparar com o resquiço em cima das lapas. Ouvia-se então, trazidas pela aragem, uma ou outra passagem conhecida da música e daí a pouco começava uma nova função de grande atractivo – a ceiata das vagens e do bacalhau cozido com batatas, em almofias, com muito azeite e vinhaça à discrição para todas as sedes, velha tradição com indícios de se perder.
Mas isto era para os que lá iam. Os que tinham ficado cá em baixo, a olhar, presenceavam então a subida ao ar dos foguetes do Manuel Daniel, logo desfeitos em lágrimas e estoiros, e daí a pouco o fogo, o incêndio na chamiça, que os mais afoitos apagavam com rancas de pinheiro, incêndios que mais tarde foram aperfeiçoados pelo Ernesto Bandeira, que muito apreciava a tradição. O monte da Senhora da Mó enchia-se de esplendor nessa noite. E então ao outro dia é que era. Via-se o formigueiro dos que subiam a encosta pelo lado do Ferral. Junto do adro já estavam as mulheres das regueifas, dos pêssegos de aparta e figos bacorinhos, as dos refrescos e, debaixo do sobreiro, coberto por ramalheira, o belo pingato da região para ligar ao que vinha nas ancoretas e borrachas particulares para, ao acabar da festa, fazer das suas. A gente chegava lá afogueada, que a encosta era puxavante. Daí a pouco começava a função na capela, e na barraca, fogueira acesa, a coisa para os convidados. A música tocava uns ordinários e logo toda a gente tomava lugar e posição para o grande sacrifício. Toalhas estendidas sob o tolde de circunstância, merendeiros e canastras abertas a desentranhar-se de frangos assados de tachos de arrozada, vitela, bolinhos de bacalhau, eu sei lá! – e sempre numa fôna a garrafa, a ancoreta, a borracha, o cantil, que o ar era muito forte e secativo, e puxava. Depois o melão que se dava a provar aos amigos com a piscadela de olho, para não levantar suspeitas e darem cabo dele num ar, que aquilo era só para quem era.
Era de enternecer quem tivesse coragem para presenciar aquele panorama álacre, cheio de côr, de azáfama, quadro mais sugestivo não podia haver, o monte coberto de toldes, de toalhas, de gente, de sol, de boa disposição e camaradagem. Sente-se aqui! – era o convite que saía de todos os lados. Prove deste! É de rachar! Felizmente que todos vinham mais ou menos preparados que a festa era para aquilo mesmo. Depois, enquanto os mais carregados ficam estendidos nas barracas, a passar pelas “brasas”, a rapaziada aparecia com as “estrelas” para lançar ao ar, com o vento contra, a dar puxadelas ao fio para elas encarreirarem e mostrar depois qual era a que mais alta ou mais longe se alçava para ter a honra de ser a primeira, a melhor. O arraial animava, movimentava-se. Debaixo do sobreiro havia sempre quem lhe carregasse. O sol queimava e a aragem enrubescia o rosto e os braços»[1].
⁂
Nos princípios dos anos 30, do século passado, começaram a surgir ideias para a construção de uma estrada de acesso ao monte da Senhora da Mó.
No jornal «Defesa de Arouca», de 17 de Setembro de 1932, aparece um artigo denominado “Uma estrada para a Senhora da Mó”.
Começava o artigo: «A maioria dos nossos leitores, ao poisar a vista nas palavras que encimam estas linhas, esboçará um sorriso de incredulidade, talvez um gesto de verdadeira indiferença, e dirá de si para consigo: – “Pode lá ser?! Se até hoje ninguém se abalançou a essa iniciativa… Isso seria bom, sim, seria belo! Mas… não passará de mais um sonho que a realidade, em breve, dissipará…”.
Tal incredulidade e tal indiferença, porém, oscilarão ao afirmarmos que o estudo dessa estrada foi já iniciado por dois distintos engenheiros, dois ilustres amigos desta terra – os srs. Drs. Augusto Barata da Rocha e Jacques Contu, – que gentilmente, com uma isenção e boa vontade que devem representar um exemplo para todos nós, se prontificaram a executar esse trabalho sem qualquer outra recompensa que não seja a satisfação de verem, um dia, realizada uma obra que sem dúvida constituirá um dos mais interessantes e apreciáveis melhoramentos para Arouca».
Logo no dia 18 de Setembro daquele ano, reuniu-se um grupo de arouquenses na Sala do Capítulo do Mosteiro, e constituíram duas comissões para tratar da construção da estrada:
COMISSÃO DE HONRA
Dr. José Gomes de Figueiredo Sobrinho
Dr. Afonso Brandão de Mendonça e Vasconcelos
Dr. Ângelo Pereira de Miranda
Dr. José Ferreira Pinto
Dr. Joaquim de Pinho Brandão
Dr. Augusto Barata da Rocha
Dr. Jacques Contu
Dr. Luís de Faria Teixeira Lopes
Dr. António Soares de Sousa
Dr. Alberto Carlos de Brito
Dr. Alfredo António Camossa Nunes Saldanha
Agostinho José Gomes de Pinho
P.e Manuel Gomes de Castro
Álvaro de Oliveira e Vasconcelos
Justino Gomes Teixeira
António Gomes Teixeira
Manuel de Pinho e Sousa
Augusto Gomes Mendes
Albano Alves
Miguel Duarte
P.e José da Silva Ramalho (Pároco de Arouca)
*Para ler o artigo completo adquira a nossa edição impressa já nas bancas;
[1] Jornal Defesa de Arouca, n.º 67, de 1-9-1956.
[2] Jornal Defesa de Arouca, n.º 403, de 23-9-1933.
[3] Jornal Defesa de Arouca, n.º 693, de 6-5-1939.
[4] Jornal Defesa de Arouca, n.º 694, de 13-5-1939.
[5] Jornal Defesa de Arouca, n.º 692, de 30-4-1939.
[6] Jornal Defesa de Arouca, n.º 697, de 3-6-1939.
[7] Jornal Defesa de Arouca, n.º 1062, de 31-8-1946.
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