A mobilidade escolar intergeracional não pode parar

Não obstante os dececionantes resultados do inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses em 2020, que veio provar que há desigualdades sociais significativas no acesso à cultura – sendo os mais pobres, mais velhos e menos instruídos os que menos práticas revelaram – assim como o facto de mais de metade dos inquiridos não ter um único livro impresso durante o ano anterior, há uma mobilidade escolar intergeracional, conforme se verifica lendo os vários artigos produzidos a partir dos resultados e condensados num livro.

O inquérito mostrou ainda que a maior parte dos inquiridos não teve estímulos familiares, por exemplo, para a leitura. Todavia, indica que a escola tem tido um papel fundamental no acesso à cultura, sobretudo na visita a espaços patrimoniais.

A crescente alfabetização da população portuguesa está, apesar dos baixos índices nas práticas culturais, a contribuir para o aumento dessas práticas e para uma mobilidade intergeracional, isto porque o inquérito deu significativa importância não apenas à escolaridade dos inquiridos, como também dos seus pais – provavelmente, procurando também colmatar a escassez de estudos feitos no âmbito cultural nos últimos anos.

Nesse sentido, a escola assume um papel que se quer cada vez mais adequado às exigências dos tempos, em constante transformação e atualização de paradigmas. A crise de professores assume contornos de preocupação, que não podem ser descurados pela comunidade educativa, bem como pela sociedade civil.

É preciso que, criando-lhes condições dignas para o exercício da nobre profissão, se seja exigente com a classe docente.

Uma amiga falava-me, no outro dia, de uma professora que estava a cancelar as visitas de estudo programadas para o corrente ano letivo, com o argumento de que enquanto o Ministério da Educação não levasse a sério as reivindicações da classe iria fazer o mínimo dos mínimos. No seu entender, o que será o mínimo? Estar na sala de aula debitando matéria? Só estar na sala de aula? Só entrar na escola? Não parece que esta chantagem socio-emocial se enquadre no procedimento mais correto, considerando que o prejuízo sairá em maior escala nos alunos e na sua formação cívica e cultural. E, sim, professores em greve até podem estar a ensinar, mas é preciso que, uma vez dentro da escola, não se demitam aí da sua missão.

A mobilidade escolar intergeracional não pode parar. A classe docente tem assim múltiplos desafios e os seus objetivos devem ser escutados com atenção, todavia a formação contínua é fundamental. E mais importante ainda é a formação destas pessoas como seres humanos e sociais, é preciso que essas competências sejam também trabalhadas, nomeadamente nos cursos de educação – reconhecendo que são também competências intrínsecas, podem ser sempre melhoradas, em todas as pessoas.

A escola é a luz ao fundo do túnel dos materialmente pobres. É por essa razão que a escola é também e tantas vezes um alvo das forças neoliberais. A escola cria a riqueza simbólica que incomoda as contas bancárias avantajadas. E se a classe docente se desvincular da sua missão, e se as novas gerações não forem devidamente atraídas para o ensino… então estaremos, como sociedade, a condenar essa mobilidade, que a tantos nos fez ascender.

sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
Partilhe este artigo
Comentários
Relacionados
Newsletter

Fique Sempre Informado!

Subscreva a nossa newsletter e receba notificações de novas publicações.

O envio da nossa newsletter é semanal.
Garantimos que nunca enviaremos publicidade ou spam para o seu e-mail.
Pode desinscrever-se a qualquer momento através do link de desinscrição na parte inferior de cada e-mail.

Veja também