Por: Cátia Cardoso
A Área Metropolitana do Porto (AMP) reuniu-se, no último dia de maio passado, para encontrar uma versão zero de uma carta metropolitana para a cultura. O encontro, de inscrição aberta e que decorreu na Casa da Criatividade em S. João da Madeira, terá contado com representantes dos 17 municípios da AMP.
Passando à frente o atraso de mais de uma hora de grande parte dos painéis – que terá justificado que no momento da apresentação dos resultados uma parte significativa dos participantes já não estivesse na sala — há várias considerações que podem (e até devem) ser feitas (e não caberão todas neste artigo).
A primeira foi levantada no próprio evento e pela Diretora Regional de Cultura do Norte (DRCN). Uma parte das soluções apontadas para o setor já está identificada, designadamente pela academia, o que reduz a dimensão de novidade da conferência. Esta circunstância não deixa de ser incómoda, pois, de algum modo, revela falta de diálogo com a academia ou mesmo ausência de conhecimento científico sobre a área que se pretende discutir.
Há artigos, livros, dissertações de mestrado, teses de doutoramento e outros trabalhos das áreas da ciência política, gestão cultural, e sobretudo da sociologia (da cultura, mas não só) que identificam problemas e apontam soluções para o setor cultural (até há, inclusivamente na Universidade do Porto, quem estude, há anos, as políticas metropolitanas para a cultura). Aos munícipios apenas bastaria implementa-las, ainda que em projetos piloto.
No artigo E se Começarmos por Cumprir a Constituição da República Portuguesa?, o investigador Manuel Gama refere: “é evidente há já em Portugal um conjunto de boas práticas de políticas culturais municipais que podem e devem ser tidas em conta, mas para aqueles que pretenderem participar neste processo de reflexão, que se espera consequente de forma a implementar uma rede articulada de políticas culturais, sugerimos que se comece pela nossa lei fundamental: a Constituição da República Portuguesa”.
À organização que pretende uma carta metropolitana para a cultura – que não deixa de ser de felicitar – não pode faltar um conhecimento geral daquilo que já foi feito e estudado – e até os painéis de comunicação podiam ser enriquecidos com base no conhecimento já produzido. E a academia tem-se debruçado, sim, na questão das políticas culturais (bem ou mal, de forma suficiente ou insuficiente, contudo não pode ignorar-se).
Foi também nesta lógica que, quando foi sugerido fazer um mapeamento do setor (do património, dos agentes culturais, das políticas municipais já existentes, dos públicos da cultura,…) logo foi advertida a necessidade de, antes, se fazer o mapeamento dos mapeamentos já realizados pelas universidades.
Outra crítica que não se pode deixar de fazer tem que ver com a ausência dos agentes políticos eleitos pelo povo neste tipo de eventos. É importante que quando se discutem políticas culturais estejam presentes políticos, aqueles de quem depende a implementação das medidas.
Nem todos têm – e não é condenável – a sensibilidade de perceber que “investir na cultura é tão importante como pavimentar uma estrada” (como disse o autarca anfitrião), mas todos têm o dever de procurar refletir e angariar diretamente conhecimento sobre diferentes áreas, procurando, para cada uma, as melhores soluções, junto dos agentes nela inseridos.
Segundo Manuel Gama, no citado artigo, um levantamento efetuado pelo Observatório de Políticas de Ciência, Comunicação e Cultura, em 2020, revelou que apenas 13,6% dos municípios portugueses disponibilizavam na sua página online um plano estratégico para a cultura, “sendo que a análise dos 42 registos online evidencia a debilidade dos próprios documentos que, na realidade, em muitos casos não podem ser considerados verdadeiros planos, havendo mesmo situações em que os documentos não passam da compilação dos espaços culturais existentes no concelho”. O autor aponta assim uma “aparente ausência de diálogo intermunicipal”, o que o evento da AMP vem contradizer.
De forma resumida, os contributos para a versão zero da carta metropolitana para a cultura passam por planeamento estratégico; trabalho direto com as comunidades; criação de valor; olhar a sociedade civil como parceira de criações culturais; entender a AMP como intermediária entre os munícipios; ouvir o setor cultural, o movimento associativo popular e o público; criar estabilidade para os profissionais do setor; avaliar os resultados e compreender a cultura como bem público, sem descurar a necessidade de investimento público. Em suma, fazer jus à democratização cultural prevista pela Constituição.
Importa agora perceber como é que os munícipios o pretendem fazer e que versão final se obterá de uma carta metropolitana para a cultura (como é que esta se vai materializar em termos práticos, em cada munícipio), sendo certo que a implementação de políticas intermunicipais poderá ser uma estratégia significativa para a cultura no seio destes 17 munícipios. Contudo, tal como apontou a DRCN não deixa de ser pertinente refletir sobre porque só agora, em 2022, a AMP chegou a esta necessidade.
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