Francisco Esteves, o jovem que apoiou sozinho o FC Arouca nos Açores: “Nunca esperei chorar de felicidade”

O dia 24 de dezembro é particularmente especial para os arouquenses, não só por ser o dia da tradicional Consoada, mas também por ser o dia de aniversário do FC Arouca, inicialmente designado como Ginásio Clube de Arouca. Ainda que existam documentos que apontem o dia 24 como o da fundação (como a capa do antigo jornal “O Ginásio”, presente nesta reportagem) e o clube oficialmente assinale a efeméride a 25 de dezembro, certo é que foi em 1952 que o Ginásio se tornou oficialmente legal. Em 2024, falamos com três figuras de renome da emblemática história do FCA: Artur Melo, sócio desde 78, Manuel Matos Sousa, antigo comentador dos relatos da Rádio Regional e colaborador do RodaViva e José Augusto “Testinha”, que fez parte da primeira equipa oficial do clube. Este ano, voltamos a escolher alguém que vive intensamente o apoio ao principal emblema arouquense.

Um Lobo de Arouca solitário perante pouco mais de dois mil Bravos Açorianos

20h30 de um domingo de pleno inverno, nos Açores, e em vésperas da época natalícia, não é um horário extremamente convidativo para os adeptos de uma equipa qualquer se deslocarem ao Estádio de São Miguel. Menos para Francisco Esteves, o único adepto do FC Arouca presente no encontro. Dos 2029 que estiveram nas bancadas, todos estavam a apoiar o Santa Clara, Bravos Açorianos, menos um.

Ser o único a apoiar a sua equipa num jogo já é algo que dificilmente se esquece, mas ser acarinhado por todos os elementos da sua equipa é indescritível. Após o apito final, jogadores, equipa técnica e demais elementos da estrutura arouquense foram ao encontro de Francisco Esteves para cumprimenta-lo e agradecer a sua presença. Pouco depois, já no hotel, reuniram-se para uma fotografia.

Um momento que correu o mundo, com inúmeros meios de comunicação social desportiva além-fronteiras, bem como contas nas redes sociais, a partilharem este acontecimento: “Um único adepto português seguiu o seu clube até ao meio do Oceano Atlântico” e “Ele era o único adepto que viajou para ver o jogo e a equipa convidou-o para uma foto” são só algumas das milhentas descrições que foram feitas.

“Agradecer à direção do Arouca, mudaram a minha vida muito, mas muito mesmo”

Sendo ele o homem do momento, impunha-se tentar chegar à fala com o próprio. E ainda que tenha feito a viagem de avião para Portugal Continental, mais uma viagem de autocarro até ao Porto, mostrou-se disponível para falar connosco. Apesar das várias partilhas, muitas pessoas continuam sem conhecer o adepto em questão: trata-se de Francisco Esteves, jovem arouquense de 24 anos, que reside com os pais em Vila Nova de Gaia, onde está a tirar Gestão Hoteleira.

Para muitas pessoas, o futebol é muito mais que um desporto, é um estado de espírito, uma forma de viver a vida. Francisco é um desses casos, dedicando-se de corpo e alma ao FC Arouca, a quem agradece por todas as felicidades que lhe deu desde a infância: “Vou ser honesto, agora já tenho, mas eu, ao crescer, não tive muitos amigos, a escola era difícil porque ia e voltava, não conversava com ninguém, e eu ficava em casa muito tempo e via muita televisão, via muitos desenhos animados e filmes de super-heróis, e havia sempre aquela história do pequenino, sabe? E eu a ver o FC Arouca, quando subiu para a Primeira Liga, a primeira vez, eu passo os fins de semana em Arouca e nunca vi o clube. Vou lá ver, os clubes começam a vir, jogadores que já tinha ouvido falar, que tinha visto na televisão, começam a vir a Arouca. Uma vila tão pequena, como sabe, parece uma história de super-heróis e não há nada para mim melhor do que o protagonista, que é o Arouca, o super-herói que ninguém acredita. Formou-se do nada, está agora a ser um dos melhores, tendo em consideração o tamanho (da vila); as dificuldades que ele (o clube) passou há tão pouco tempo; o concelho, que tem 20 mil habitantes, e só desses 20 mil, 1000 por jogo; competições europeias; resultados extremamente positivos, contra superpotências mundiais, como o Benfica.”

Como os bons amores, a paixão de Francisco pelo FC Arouca foi crescendo no seu coração ao longo dos anos e, hoje em dia, com a ajuda dos pais (a quem agradeceu todo o apoio, caso contrário seria impossível), vai aos vários pontos do país apoiar o seu clube. Na época 2024/25, foi também viral o gesto do FC Arouca ao trazê-lo no autocarro, com a equipa, de Faro até Arouca, tendo depois rumado até Gaia novamente à boleia, mas desta vez de um dos jogadores. Esta temporada, em véspera da quadra natalícia e do aniversário do clube (o FC Arouca foi fundado a 24 de dezembro de 1952, sob a designação de Ginásio Clube de Arouca), foi agraciado com os momentos de comunhão com a equipa e, dias depois, recebeu uma sweat de Natal do clube pelas mãos de um dos seus capitães, Tiago Esgaio.

“Quando os vejo a aproximar-se de mim, pensei que eles iam fazer o normal, bater palmas, e, bater palmas e reconhecer que eu fui lá, já fico feliz, o meu trabalho foi feito, vieram agradecer. Mas quando eu os vejo a aproximar-se mais, reparo que eles queriam cumprimentar-me. Tento fazer o máximo para não começar a chorar, porque eu estava mesmo… Nunca esperei chorar de felicidade, sabe? Fiquei mesmo feliz e sempre que vejo o vídeo agora, uma parte de mim quer chorar e a outra ficar muito feliz.”, confessou-nos.

Não só o momento em si, mas também as atenções mediáticas do mesmo continuam a deixar Francisco Esteves espantado e feliz: “Uma parte de mim acredita que aquilo aconteceu, porque eu vivi, mas outra parte também não acredita. Ver que fui reconhecido pelo mundo e ver muitos comentários positivos, os negativos ignoro. Infelizmente nunca vou ser jogador do FC Arouca, mas, como adepto, vou ficar para a história, espero eu“.

De todas as partilhas que existiram do caso, uma delas, no Brasil, comparou o caso de Francisco ao de Tiago Rech, que sentou-se sozinho na bancada para ver o seu FC Santa Cruz e, posteriormente, tornou-se presidente do clube e foi campeão pelo mesmo. Por isso, impunha-se esta questão: existe a pretensão, o sonho de algum dia vir a ser presidente do FC Arouca? “É um sonho, se acontecer, depois de apoiar tanto tempo o clube, não sei como pôr isto em palavras, mas seria o melhor dia da minha vida”, respondeu sorrindo, expressando de imediato todo o seu respeito pela atual direção da família Pinho, que merece a “minha lealdade”.

Nem um Erasmus no estrangeiro travou Francisco de vir a Portugal ver o FC Arouca

Para além das duas histórias que referimos acima, há uma outra, que foi revelada durante a entrevista e que era, até então, desconhecida. Francisco fez Erasmus no estrangeiro, em 2023 e 2024, mas nem isso o impediu de regressar a Portugal e, dentro dos poucos dias que cá esteve, ir ver o FC Arouca. “Há duas épocas, Daniel Sousa era o treinador, fiz Erasmus e estive uma semana em Portugal, para passar o Natal com os meus pais. O FC Arouca jogou na Amadora e eu disse à minha mãe “Desculpa, mas eu tenho de ir à Amadora ver o FC Arouca”. E fui. Estive aqui cinco dias e, desses cinco dias, dois, por causa das viagens, estive em Lisboa. Não me arrependo”, confidenciou-nos.

E apesar da logística e as viagens serem exigentes, com muitas horas num mesmo meio de transporte, e os custos associados a todas estas travessias que aqui relatamos, Francisco deixou-nos uma reflexão que dá que pensar: “Se eu gosto, porque é que não hei de fazer? E se tenho a oportunidade também, porque é que não hei de fazer?”

Francisco Ferreira, quando recebeu uma camisola do Trezza em Faro, em 2024

Francisco Ferreira junto ao memorial de Vítor Oliveira em Portimão, técnico que subiu, pela 1ª vez, o FCA à Primeira Liga

Foto da Liga Portugal, quando o Francisco esteve na Amadora (na história referida na última parte do artigo)

Simão Duarte

Fotos: FC Arouca (capa) e Francisco Esteves (as restantes)

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Simão Duarte
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