Nos últimos anos, tal como tantas outras áreas, o futebol tem crescido exponencialmente, atingindo patamares de evolução que, há uns anos atrás, seriam inimagináveis. Ainda que o futebol distrital também tenha acompanhado esse registo, continua a ser um paraíso para os amantes do futebol raiz, onde o jogo é muito mais do que um jogo e um local onde encontramos casos impressionantes de sucesso. Um desses casos é o de Eduardo Lopes, natural de Escamarão – Cinfães, que, aos 45 anos de idade, está no comando técnico do Nespereira, onde recebeu o Discurso Directo para esta entrevista. Só não está dentro das quatro linhas, como esteve até à época passada (fase em que foi o jogador mais velho no ativo na I Divisão – Zona Norte da AF Aveiro), porque não surgiu a oportunidade.
Durante os 26 anos que esteve no ativo, jogou em todo o lado: defesa-direito ou esquerdo, médio-ala, médio-centro, mas a casa tática que Eduardo diz ser a sua preferida é “nº10” (médio-ofensivo). O palmarés de títulos é vasto, bem como as subidas de divisão, pelos mais diversos clubes. Ainda assim, confessou-nos que faltou cumprir o sonho de “ser campeão e jogar na Primeira Liga”. Eduardo considera que poderia ter dado o salto e este esteve perto de acontecer, mas a equipa que o convidou esteve prestes a subir, mas perdeu essa chance nos descontos do jogo decisivo.
Após concluir a sua formação, onde esteve no Cinfães, no Souselo e no Penafiel, a caminhada como sénior começou no já extinto FC Marco, em 1999, do qual guarda “muita saudade”. “Os momentos mais especiais e mais profissionais que eu tenho foi no Marco. Fui campeão duas vezes da 2ª Divisão B e joguei na 2ª Liga, o meu patamar mais alto. Vim da formação do Penafiel, fui treinar à experiência ao Marco e acabei por ficar”, apontou.
Desde cedo, passou por várias posições em campo, algo que o nosso entrevistado justifica com a sua força de espírito, que já se denotava na formação: “Estamos para ajudar a equipa. Era extremo, mas fui treinar à experiência aos juniores do Penafiel e disse que era defesa-direito. Nunca tinha jogado a defesa-direito. Fico no Penafiel, na equipa B, e começo a jogar a defesa-esquerdo, passado uns jogos sou chamado à equipa A para defesa-esquerdo, quando sou direito. É uma questão de interpretar e estar atento e fui-me adaptando.”, contou-nos, tendo revelado também que já chegou a ser guarda-redes, na reta final de um jogo em Amarante. “Não sofri golos!”, gracejou. Para além da polivalência posicional, também recorre a esta com os pés, usando o esquerdo tanto quanto o direito: “Às vezes, nos cantos, o guarda-redes dizia “É fechado!”, e eu ia e batia com o pé esquerdo. Chuto com o pé direito e com o esquerdo. Nunca vi isso como um problema, sempre como uma solução para ajudar a equipa”.
Para além destas qualidades, a vitalidade é o seu nome do meio. Qual o segredo? Esta é a explicação de Eduardo: “Foi sempre a perseverança. Fui três vezes operado aos joelhos. A primeira lesão que tive foi aos 33 anos. E eu, em 76 dias recuperei, em dois meses e meio. As pessoas não acreditavam! Mas eu, com 76 dias, voltei a ser convocado. Porque fazia-me falta tudo, o futebol. Nessa altura eu já trabalhava, tinha casa, esposa e contas para pagar, precisava de receber. Ou seja, era tudo juntar e uma forma de querer voltar mais rápido. E depois também a vontade e aquilo que eu fazia de trabalho por fora. Porque eu não fazia só fisioterapia, fazia exercícios sozinho. A genética também ajudava, porque eu sempre recuperei muito rápido das lesões.”
Ao contrário do que se poderia pensar, Eduardo Lopes não está ao comando técnico do Nespereira porque quis pendurar as chuteiras. Bem pelo contrário, só não continua dentro das quatro linhas porque não surgiu uma proposta condizente: “Só não fiquei no Paivense porque me queriam reduzir o ordenado. Foi única e simplesmente por causa disso. A minha ideia era continuar a jogar. O meu último jogo foi em São Roque e houve despedidas de dois jogadores e um até na brincadeira “Aproveita e também acaba” e eu não sabia que ia ser o meu último jogo. Tive algumas propostas, só que eu também acho que uma pessoa chega a um patamar que não pode jogar por qualquer preço ou só pela vontade de jogar. Eu sou muito assim. Acho que o reconhecimento tem de ser dado. E quando não é dado, foi por isso que não aceitei.”.
Esta sua decisão foi tomada também porque o futebol distrital é feito de sacrifícios, e Eduardo já fez muitos, tendo dado o exemplo dos tempos de júnior no Penafiel. “Saí da escola, quis desistir. Saí numa terça e numa quinta-feira fui trabalhar. Eu levantava-me às seis da manhã, os treinos eram às oito e eu chegava a casa à meia-noite. Fui profissional até aos 27/28 anos, mas quando vi que já não ia muito mais além daquilo…. Uma pessoa tem de pensar na vida, e então comecei a trabalhar, até às cinco e meia/seis e depois ia treinar. Não é fácil, depois de um dia de trabalho, mas o desejo de jogar leva-nos a qualquer coisa.”
Enquanto procurava um clube para jogar, surgiu a proposta do Nespereira, mas para treinar. “Ouvi proposta daqui, ouvi proposta dali. E eu ainda queria jogar, mas é uma oportunidade que também não posso deixar passar.”, explicou. Aceitou o convite do Nespereira, por gosto ao clube, tendo já a sua ideia de jogo e um esquema tático: “A estratégia vai mudando, mas a ideia é sempre que o jogadores tenham gosto em jogar e da maneira como jogámos. Já jogámos um jogo 4x3x3 e temos jogado quase sempre em 3x5x2, porque a equipa estava rotinada a isso, e pelas características do jogador e pelas posições que aqui ou lá fazem mais falta ou não temos este ou aquele jogador, eu acho que é o esquema tático que se adapta para já melhor à equipa.”.
Considera que as suas principais qualidades como técnico são “a tática e saber ler o jogo, o que este está a dar ou não”, reconhecendo as maiores dificuldades em treinar em vez de jogar: “Dá muito mais trabalho, porque não é só o treino, o jogo, tenho de analisar a equipa, ver vídeos, ver onde posso ferir a equipa, ver os problemas da equipa, se este jogador está ou não disponível. Jogador fazes aquilo que gostas e tu, jogador, és tu, e acaba o treino, não pensas mais no futebol, ou se pensas, não é pelas mesmas preocupações que o treinador”.
Simão Duarte e Pedro Gonçalves
Fotos: Pedro Gonçalves

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