Há quem tenha uma visão bastante supérflua do futebol, resumindo-o a pouco mais do que um desporto onde 22 atletas correm atrás de uma bola durante largos minutos, pontapeando-a constantemente. E ainda que o futebol se tenha tornado cada vez mais um negócio, repleto de novidades estranhas e cada vez mais afastado do adepto comum, ainda existem várias histórias que valem a pena contar.
É o caso do treinador Luís Figueiredo, natural de Santa Eulália (Minhãos), que atingiu a marca redonda de 20 anos de carreira ligado ao treino e ao jogo. Em entrevista ao Discurso Directo, o técnico falou-nos da sua carreira e das várias experiências que vivenciou, em Portugal e lá fora, bem como dos dissabores que, infelizmente, fazem parte do seu percurso. Após publicarmos, na última edição do jornal impresso, um compacto da entrevista, iremos agora publicar no nosso site, por partes, os vários temas abordados.
Depois de conhecermos todo o seu percurso, nesta quinta e última parte da entrevista, teremos uma série de questões curtas e mais gerais, sobre futebol e a sua carreira de treinador.
“Primeiro, é fundamental, como treinadores, passarmos a nossa linguagem ao jogadores. Eu não posso partir do princípio que todos os jogadores conhecem e compreendem a minha linguagem. Eu posso fazer aqui um exemplo: o Simão é comentador desportivo, e se lhe perguntar o que é a transição defensiva, tenho a certeza absoluta que o Simão tem uma definição para isso. Poderá não ser a mesma definição que eu tenho e isso importante o treinador fazer. Fazer com que o atleta que está à minha frente perceba a minha definição, eu tenho que fazer com que 24 atletas percebam a minha definição, que é para depois, quando estamos no jogo, toda a gente perceber aquilo que tem que fazer.
O jogo é como o xadrez: nós temos um adversário, que vai estar a fazer alguma coisa, e nós temos que anular aquilo que o adversário está a fazer e tentar explorar as fraquezas que o adversário vai demonstrar. E para isso, é preciso que todos os atletas vejam o jogo da mesma maneira, e para ver o jogo da mesma maneira, nada mais fácil do que ver da maneira de treinador.
Por isso, aquilo que eu tento fazer é ensinar os jogo ao jogadores, os jogadores têm que escolher e é que decidem aquilo que têm que fazer. Dou as funções e depois eles é que escolhem aquela que se adequa ao determinado momento que está a acontecer em jogo. Por norma, eu dou sempre todas as soluções ao jogador, faço com que ele perceba aquilo que tem que fazer, em função daquilo que o adversário está a dar.”
“Lucas João, no Mirandela. Fez uma época fantástica, era sénior de 1º ano, foi emprestado pelo Nacional, era um jogador de uma qualidade enorme. Foi um orgulho enorme ter trabalhado com ele. Entretanto, foi internacional português, esteve no Championship (2ª Divisão Inglesa).”
“Eu tive vários jogadores na Finlândia, e até finlandeses, com uma capacidade e um potencial fantásticos. Muitas vezes, os clubes portugueses olham pouco para o mercado nórdico, acho que é um mercado que deveria ser mais explorado, têm vários jogadores muito bons tecnicamente.
Vemos agora o Froholdt, que o FC Porto foi buscar à Dinamarca, que é um jogador jovem com 19 anos e já apresenta uma maturidade muito grande. São jogadores fortes fisicamente e com uma compreensão de jogo já acima da média, porque já nos mercados nórdicos começam-se a trabalhar muito bem e que depois, pelo futebol não ser o desporto rei (lá), são jogadores acessíveis para o mercado português.
Tive o Ricardo Cardoso, que ele veio para a Finlândia. É um jogador com potencial fantástico, internacional por São Tomé e é um jogador que eu espero que tenha muito sucesso e que consiga chegar ao mais alto nível.”
“Na época do Mirandela, nós vamos jogar a Famalicão, era o jogo da 2ª volta. Na 1ª volta penso que nós empatamos em Mirandela, houve alguma situações com os adeptos do Famalicão e o nosso diretor desportivo.
E então, quando foi o jogo em Famalicão, foi muito difícil e que, no final, o Famalicão penso que vence 2-0 e, no final do jogo, nós demoramos imenso a sair porque os adeptos estavam à espera do nosso diretor desportivo e ele teve de sair na mala de um carro de um dirigente do Famalicão, para poder sair do estádio e depois poder entrar uns quilómetros mais à frente no autocarro. Porque nós não conseguíamos sair, tínhamos os adeptos à espera.
Uma outra situação também foi quando vamos jogar ao Bessa. Lembro-me que o autocarro de Mirandela era pequenino e nós estarmos a passar ali, pelo meio da claque do Boavista, devagarinho e os adeptos a baterem no vidro e a abanarem o autocarro. E nós todos lá dentro. Foi uma sensação, na altura, de medo e receio, mas agora podemos olhar para trás com sorriso na cara e uma história para contar.”
“Eu acho que o problema das redes sociais é a crítica gratuita. As pessoas acham-se no direito de, por estarem nas redes sociais, de criticar ofensivamente uma outra pessoa. Eu, como profissional do Desporto, não critico nem faço comentários menos próprios nas redes sociais, porque respeito o pensamento de toda a gente, mas penso que, hoje em dia, é um dos grandes problemas da sociedade. É a crítica gratuita e o saber que está protegido atrás de um ecrã e não vai ter consequências e eu posso insultar e fazer o que o que eu quiser.
Penso que aqui, nós todos, devemos melhorar, ensinar os nossos filhos a serem melhores, para que depois a sociedade amanhã esteja muito melhor do que aquilo que está hoje, porque hoje em dia a sociedade não está fácil e o futuro. a continuar assim, não se avizinha fácil.”
Tenho uma que já disse, que é o José Mourinho. Foi um dos principais, na altura que eu tive que escolher, uma das principais influências. Depois tenho o professor Vítor Maçãs, foi meu professor da faculdade, tive o prazer de trabalhar e de aprender muito com ele no ano do Mirandela, que é um dos formadores dos cursos de treinadores UEFA A e UEFA Pro da FPF e um dos grandes conhecedores do jogo.
Giuseppe De Fidio, o senhor italiano com quem muito aprendi e que lhe devo a parte do minucioso que sou, devo-lhe também ao muito que ele me transmitiu. Depois tenho alguns treinadores de que tenho referências. Jurgen Klopp, a maneira como ele transmite garra à sua equipa, Guardiola pelo seu romantismo no jogo, são os três principais treinadores.
Agora temos outros treinadores, o Abel Ferreira, pela maneira como fala e se expressa, o Ruben Amorim, pelo trabalho que desenvolveu no Sporting, pela comunicação que tinha e tem, e que eu acredito que vá fazer um bom trabalho no Manchester United se lhe derem tempo. Temos também o Leonardo Jardim, que é um treinador fantástico no desenvolvimento de atletas, pelo trabalho que fez no Mónaco, pelo trabalho que está a fazer agora no Cruzeiro, é um treinador também que eu me identifico pela maneira e como tem desenvolvido o seu trabalho.
Temos imensos treinadores portugueses, de alto nível, e que o seu ponto forte é a capacidade de adaptação, de se adaptarem aos contextos para onde vão e para terem sucesso nos projetos onde estão inseridos.”
Texto: Simão Duarte
Foto: Sofia Brandão
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