De Minhãos para o Mundo: a paixão pelo treino levou Luís Figueiredo além-fronteiras – Parte IV

Em entrevista ao Discurso Directo, o técnico falou-nos da sua carreira e das várias experiências que vivenciou, em Portugal e lá fora

Há quem tenha uma visão bastante supérflua do futebol, resumindo-o a pouco mais do que um desporto onde 22 atletas correm atrás de uma bola durante largos minutos, pontapeando-a constantemente. E ainda que o futebol se tenha tornado cada vez mais um negócio, repleto de novidades estranhas e cada vez mais afastado do adepto comum, ainda existem várias histórias que valem a pena contar.

É o caso do treinador Luís Figueiredo, natural de Santa Eulália (Minhãos), que atingiu a marca redonda de 20 anos de carreira ligado ao treino e ao jogo. Em entrevista ao Discurso Directo, o técnico falou-nos da sua carreira e das várias experiências que vivenciou, em Portugal e lá fora, bem como dos dissabores que, infelizmente, fazem parte do seu percurso. Após publicarmos, na última edição do jornal impresso, um compacto da entrevista, iremos agora publicar no nosso site, por partes, os vários temas abordados. Na primeira parte, conhecemos os primeiros passos da carreira de Luís Figueiredo, e na segunda ficamos a conhecer pormenores das suas passagens por clubes da região, (AD Valecambrense e FC Arouca), onde contactou, por exemplo, com Morlaye Sylla, bem como as especificidades da função de coordenador técnico (e as diferenças com a do treinador) e o porquê de não ter registado outras experiências nos diversos clubes de Arouca, Castelo de Paiva e Vale de Cambra. Na terceira parte, olhamos mais para a vertente social, inerente às várias experiências pelo mundo afora que Luís Figueiredo teve.

Nesta quarta parte, falamos do seu momento atual (Luís Figueiredo encontra-se sem clube), onde existiu uma proposta para comandar uma seleção, o longo processo para tirar os níveis de treinador e ainda esta nova experiência no comentário desportivo.

  • Atualmente, encontra-se sem clube, contudo, esteve em negociações avançadas para assumir a seleção principal e sub-23 de Timor Leste. Apesar de já ter o UEFA A e dos projetos em que se envolveu, escolheram uma solução mais imediata. Quando soube da decisão, como reagiu?

“É difícil de perceber. Eu estive 10 anos para entrar no UEFA A em Portugal, a FPF (Federação Portuguesa de Futebol) trabalhou mal durante muitos anos e perdi muitas oportunidades por causa da licença, até que consegui entrar na Escócia. Quando, há 4/5 anos atrás, o UEFA A dava para assumir alguns projetos na Ásia, atualmente já não é possível. Quer dizer, pode ser possível, mas a federação asiática tinha que abrir uma exceção, eu tinha que me comprometer a tirar UEFA Pro em 2026. Isso leva o seu timing de processo e a federação timorense não podia esperar.

Já tive outros casos: há 2 anos, um clube da Liga 3, não assumi porque não tinha UEFA A. Agora, não assumo a seleção porque não tenho UEFA Pro. Em outubro, não assumi o Pakhtakor do Uzbequistão também pelo fator licença ser um entrave. Na altura, até foi escolhido um outro treinador português, Pedro Moreira. Em setembro, o clube contactou-me, queria um treinador português. O meu passado ligado ao Benfica era um fator, porque eles queriam também fazer um projeto de desenvolvimento de atletas.

É frustrante nós sabermos que o papel conta muito, a experiência e o conhecimento, muitas vezes, não é isso que está em causa, mas depois o papel limita. Em 2026, já posso concorrer ao UEFA Pro e espero poder concluir o meu processo. Já são 20 anos de treinador. Eu acho que agora a FPF já começa a trabalhar de uma maneira diferente, os treinadores terão outras oportunidades. Mas eu penso que, e deixo aqui uma reflexão, que as entidades portuguesas deveriam olhar mais para os treinadores portugueses e trabalhar mais para coloca-los no estrangeiro.

Eu, como treinador português que anda pelo estrangeiro, vejo, por exemplo, o treinador espanhol e as entidades em Espanha a trabalharem para coloca-lo. A própria federação trabalha para colocar o treinador espanhol lá fora e muitas vezes nós, com estes entraves, vemos o treinador português ser excluído em função de outros treinadores, cuja competência, porventura, poderá ser inferior, mas tem os papéis que é o que é o que conta, porque os acessos aos cursos trabalham de uma maneira completamente diferente da daqui de Portugal.

  • O processo de tirar o UEFA A, que é mais rápido lá fora do que no nosso país

“Por exemplo, em 2017, tive a oportunidade de o ir tirar à República da Irlanda. A FPF não aceitou, porque eu não estava a trabalhar no estrangeiro, o que me limitou e perdi imensas oportunidades por causa disso. Em 2024, entrei no UEFA A na Escócia porque estava a trabalhar na Índia e a maneira como a federação escocesa trabalha é completamente diferente. O facto de escolher treinadores de todo o mundo, tinha da América, da Rússia, do Egito, tinha um treinador africano. A maneira como é proposto o acesso e a análise curricular é diferente de Portugal.

Por exemplo, em Portugal, o problema está: eu tenho 20 anos de experiência como treinador, mas não treinei nem fui adjunto da Primeira Liga. Um treinador que tenha 22 anos, mas que tenha a sorte de ser adjunto na Primeira Liga, no concurso (para tirar o nível de treinador) entra à minha frente. Não faz sentido um treinador, por não ter oportunidade de trabalhar na Primeira Liga, ser excluído em função de um treinador cuja experiência, se calhar, não é nenhuma. Acho que as oportunidades deviam ser abertas, se calhar faz sentido por anos de experiência, porque senão, se for só treinadores que esteja na Primeira Liga, fica limitativo, ou então abrir como nos outros países.

Por exemplo, na Escócia e na Finlândia, é proposto um trabalho ao treinadores, eles fazem esse trabalho e depois é analisado o trabalho e entram ou não em função do trabalho realizado. Ou seja, estamos a avaliar em concreto o conhecimento. Eu acho que isso é uma maneira mais justa de os treinadores poderem entrar e não limita aqui a vida de um treinador. Vou fazer 40 anos e, para poder ser treinador UEFA Pro, neste momento, só aos 42 anos, entrando em 2026, só com 42 anos é que tenho a minha vida profissional no topo.”

  • Falando em oportunidades, esta questão de Timor Leste que caiu, seria o seu próximo passo na carreira para esta época desportiva. Como se encontra agora, se já obteve alguma proposta.

“Neste momento, estou a dar cursos de treinadores de nível 1. Comecei em 2017, estive 2 anos e meio ligado a tempo inteiro nos cursos de treinadores. Depois em 2019, tive que sair, lá está, por causa do UEFA A, que na altura surgiu uma lei que só treinadores UEFA A poderiam dar os cursos. Agora voltei, estou a dar os cursos neste momento. Gostava de ficar em Portugal, de ter oportunidade no país, até por estar perto da família. Vamos ver, temos algumas coisas em cima da mesa, mas vamos ver se alguma coisa avança em definitivo ou não.”

  • Faz comentário desportivo na ABolaTV, já participou em entrevistas e podcasts, tem feito várias publicações nas redes sociais. Como surgiu esta oportunidade, como a encarou e que feedback tem obtido?

“Quando ABolaTV me ligou, em novembro do ano passado, penso que foi o reconhecimento de todo o meu trabalho que tem sido desenvolvido até aqui. É diferente, nas primeiras vezes não foi fácil perceber a dinâmica. Ainda não tive o prazer de comentar em estúdio, já me convidaram imensas vezes, mas tenho que ir a Lisboa para fazer isso. Nas primeiras vezes, perceber os timings que nós temos para falar, quando é que eu tenho que falar, não posso falar muito porque depois tem outros comentadores. Com o passar do tempo, começamos a ganhar as referências.

Eu tento ser um comentador isento. Normalmente nós falamos dos três grandes e avalio e dou a minha opinião em função daquilo que acontece. É somente a minha opinião, não tenho nada contra nenhum clube ou treinador específico. Nós temos que estar abertos às críticas, e eu como treinador aprendi duas coisas. Primeiro, não posso ter tudo, tenho que selecionar e há coisas que eu vou perder, porque não posso ter tudo na minha vida. E segundo, tenho que aceitar as críticas e respeitar a opinião das pessoas. Não sou daquelas pessoas que fica frustrado com a crítica das pessoas. Se não for ofensiva, é bem-vinda.

Tento ser isento, dar a minha opinião, fazer com que as pessoas façam reflexões naquilo que eu digo, tento fazer com que o futebol seja aquilo que deve crescer e levar a que as pessoas que assistem ABolaTV consigam perceber o jogo, a atualidade desportiva em Portugal, a dificuldade que muitas vezes os treinadores têm. Ser treinador é gerir muitos processos, e muitas vezes não é tão linear como os comentadores, que estão de fora, no sofá, que tiram fulano e punham sicrano.”

Texto: Simão Duarte

Foto: Sofia Brandão

sobre o autor
Simão Duarte
Discurso Direto
Partilhe este artigo
Comentários
Relacionados
Newsletter

Fique Sempre Informado!

Subscreva a nossa newsletter e receba notificações de novas publicações.

O envio da nossa newsletter é semanal.
Garantimos que nunca enviaremos publicidade ou spam para o seu e-mail.
Pode desinscrever-se a qualquer momento através do link de desinscrição na parte inferior de cada e-mail.

Veja também