A jovem democracia portuguesa ainda florescia e já precisava de encontrar espaço para respirar no meio de um ambiente extremamente fervoroso. Mas, como tão bem escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen, era hora de dar continuidade ao “dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo”.
Precisamente um ano após a Revolução dos Cravos, Portugal foi às urnas para eleger a Assembleia Constituinte, nas primeiras eleições democráticas, livres e justas. Ao simbolismo da data, juntou-se outro feito, também ele histórico: a participação foi de 91,66% – uma taxa hoje inimaginável – fazendo deste o ato eleitoral mais concorrido e participado de sempre.
Na manhã seguinte ao derrube do regime autoritário do Estado Novo, que submeteu Portugal a quase meio século de ditadura, o Movimento das Forças Armadas (MFA) anunciou o seu Programa. Na secção “A – Medidas imediatas” determinava-se a “convocação, no prazo de doze meses, de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, direto e secreto”. O período que se seguiu ficou marcado por uma forte agitação e inquietação política: no espaço de um ano – entre abril de 1974 e abril de 1975 – tomaram posse quatro Governos Provisórios e ainda dois Presidentes da República.
As divisões internas no aparelho militar e entre os partidos políticos levantaram questões sobre a pertinência da realização do ato eleitoral no prazo prometido. Inicialmente marcadas para 12 de abril, as eleições acabariam por ser adiadas para o dia 25 do mesmo mês, na sequência da tentativa de golpe de 11 de março liderada pelo ex-Presidente da República António de Spínola.
Criar condições para efetuar eleições verdadeiramente livres implicou um tremendo esforço. O processo de recenseamento é um claro exemplo disso. Executado num curto de espaço de tempo – apenas em dois meses – resultou na inscrição de mais de 6 230 000 eleitores, contrastando com os 1 800 000 que estavam recenseados em 1973. Além disso, o sistema eleitoral apresentava agora quatro novidades: o sufrágio universal, independentemente do sexo, habilitações/rendimentos; o recenseamento obrigatório; o voto em cabines com boletins entregues pela mesa eleitoral; e a vigilância do escrutínio por representantes das forças partidárias.
A campanha eleitoral decorreu entre os dias 2 e 23 de abril. Na tarde desse primeiro dia, estrearam-se na rádio e na televisão os “tempos de antena”. Pelas ruas, espalharam-se cartazes de cores intensas, pintaram-se murais e encheram-se comícios. Era impossível esconder o clima de euforia e até mesmo de tensão: existiram episódios de agressões, ataques às sedes partidárias e algumas tentativas para impedir ações de campanha.
Alguns partidos, como o PDC, o MRPP e a AOC, tiveram a sua atividade política suspensa pelo Conselho da Revolução e foram, por isso, afastados da corrida eleitoral. Assim, apresentaram-se a votos 14 partidos/coligações: PS; PPD; PCP; CDS; MDP/CDE; FSP; MÊS; UDP; FEC; PPM; PUP; LCI. Em Macau, concorreram a ADIM (Associação para a Defesa de Macau e o CDM – Centro Democrático de Macau).
No dia das eleições, a RTP organizou uma emissão que esteve no ar durante cerca de 30 horas. O evento não passou despercebido à comunicação social nacional e nem mesmo à internacional: mais de 800 jornalistas de todo o mundo cobriram o acontecimento.
Todo o processo de votação foi também ele autêntico. Os resultados foram processados por um computador, inovação inédita à época, e a votação de cada uma das assembleias de voto foi comunicada por telefone. Os resultados definitivos foram conhecidos já em plena madrugada, às 5h da manhã do dia 26.
E por falar em história, as eleições para a Constituinte marcaram, também, a entrada das mulheres na vida política de forma regular e não episódica. Aliás, cerca de 53% dos eleitores que foram às urnas eram mulheres. Até aí, e apenas desde 1968, só podiam votar as mulheres que soubessem ler e escrever. Um marco importante na luta e no caminho para a igualdade.
O Partido Socialista, liderado por Mário Soares, venceu com cerca de 38% dos votos, seguido do PPD que obteve 26%. O Partido Comunista alcançou o terceiro lugar, com 12%. O CDS foi o quarto partido mais votado, com 7% da votação. O MDP-CDE, a UDP e a ADIM foram as restantes forças políticas que conseguiram eleger deputados.
Os 250 nomeados tinham como missão elaborar uma nova Constituição. Os resultados ditaram a eleição de 20 mulheres. No final do mandato, acabaram por ser 27 as deputadas que assumiram funções. Contudo, apenas seis delas participaram em comissões e somente Sophia de Mello Breyner Andresen chegou a presidir a uma – a Comissão para a Redação do Preâmbulo da Constituição. Estas deputadas foram eleitas pelos 4 maiores partidos políticos: 16 pelo PS, 5 pelo PCP, 5 pelo PPD e 1 pelo CDS.
A sessão inaugural da Assembleia Constituinte ocorreu a 2 de junho de 1975. “A história, juiz implacável, dirá um dia se fomos ou não capazes de desempenhar cabalmente a missão que o eleitorado nos atribuiu, nessa grande e inesquecível jornada cívica que foi o 25 de abril de 1975”, proferiu então Henrique de Barros, Presidente Interino da Assembleia Constituinte.
Os trabalhos terminaram a 2 de abril de 1976, data em que a Constituição foi aprovada. Não existiram abstenções e, com exceção dos deputados do CDS (que votaram contra), todas as bancadas – PS, PPD, PCP, MDP/CDE, UDP, a Associação de Defesa dos Interesses de Macau e os deputados independentes – votaram a favor.
Passaram cinco décadas desde as primeiras eleições livres. O mundo em que vivemos, instável e perigoso, alerta-nos para o facto de nada ser garantido. Como Mário Soares declarou, na sessão de encerramento da Assembleia Constituinte, “a democracia é difícil. Não é fácil a um país que viveu o que nós vivemos, que passou cinquenta anos sob uma férrea ditadura, aprender a liberdade, praticar a tolerância e acreditar na democracia. É difícil, mas é a única luta por que vale a pena lutar.”
Arouca não foi exceção e, à semelhança do que aconteceu no resto do país, votou em massa. Dos 14 185 recenseados, votaram 12 926 eleitores. O PPD foi o grande vencedor com 6 520 votos, ao qual se seguiu o CDS, que contabilizou 2 869 votos. O PS terminou em terceiro com 1 775, seguindo-se o MDP com 371, PCP (189), MES (172), FEC (121) e PUP (84).
Os resultados permitiram a eleição do Dr. Arnaldo Brito Lhamas, que se encontrava no 4ºposto da lista do PPD por Aveiro. O “Defesa de Arouca” destacou, na altura, este feito: “Tão bem como nós, o sr. Dr. Lhamas conhece as carências do nosso povo e, dum modo especial, do povo dos campos para quem as contrariedades se multiplicam. Conhece o abandono dos meios rurais, a falta de assistência em todos os aspetos, o que constitui uma das maiores e flagrantes injustiças pois quem mais duramente trabalha mais generosamente devia receber”.
Para além da Constituinte, Arnaldo Lhamas foi ainda eleito pelo PPD/PSD para a I, III, IV e V Legislaturas.
Texto: Sofia Brandão
Foto: Miranda Castela, AF-AR e PSD
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