Por: Francisco Gonçalves
Encontrei por estes dias um velho amigo, amigo este que, nos idos anos noventa do século passado, cursava Educação Física numa Escola Superior de Educação, não sei se sobre a égide do paradigma das Ciências do Desporto e Educação Física ou da Ciência da Motricidade Humana. O que sei, várias vezes por ele lembrado, é que integrava uma turma constituída por dezoito formidáveis mancebos e cinco impetuosas amazonas, muito dados a mesa farta e prato cheio, tal era a voracidade daqueles vinte e três mamíferos, a maioria atletas (futebol, voleibol, andebol, natação, ginástica) e que acumulavam mais de vinte horas de prática desportiva semanal, entre aulas e treinos.
Corria o ano de 1993 e a instituição resolveu concessionar a uma empresa privada a cantina escolar, despachando as cozinheiras para outras tarefas e locais do estabelecimento, entre as quais a memorável D.ª Maria, incansável a atestar, e repetidas vezes, a marmita daqueles alarves.
Nesse tenebroso mês de setembro, ocorreu aquilo que agora chamam downsizing, traduzido à época por outras palavras feias e impronunciáveis numa coluna de jornal. A nova gerência apresentava umas ementas giríssimas, tabuleiros lindíssimos, empratamento fotográfico, mas pouco, muito pouco comer e nenhuma possibilidade de repetição.
Momento marcante: os que cursavam Línguas – mais dados ao manuseamento da palavra – diziam mesmo: tanto adjetivo e tão pouco substantivo. O adjetivo, como sabemos e nos lembra o Paulo Sucena, “engordura a prosa”, particularmente se for parca a substância e prolixa a decoração.
Foi pelo ronronar de estômagos pouco aconchegados que aqueles alunos aprenderam que concessionar cantinas escolares dá nisto: quem dirige rentabiliza recursos, quem gere o negócio – como o nome indica – trata do negócio, os mancebos e as amazonas que necessitavam de forte sustento tiveram que moderar apetites e gastar mais no bar da escola. Em suma, os primeiros pouparam, os segundos ganharam, os terceiros perderam.
Este ano letivo, à boleia da transferência de competências, as cantinas escolares da Escola Básica de Arouca, da Escola Secundária de Arouca e da Escola Básica e Secundária de Escariz deixaram de ser garantidas por pessoal não docente dos dois agrupamentos do concelho. Deste modo, conseguiu a Câmara Municipal de Arouca deslocar uns quantos funcionários, poupando assim uns cobres em eventuais contratações.
Ao que consta, a qualidade e higiene do novo serviço deixa muito a desejar, a quantidade e qualidade da comida também, e os protestos dos alunos e dos pais e encarregados de educação sucedem-se. Em suma, o serviço público das cantinas escolares disponibilizado aos alunos dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário de Arouca piorou.
Temo tratar-se de um primeiro sinal do maravilhoso mundo da municipalização – concessões, privatizações e demais desresponsabilizações. Nem o nome socialista parece já garantir o que quer que seja, nem é distintivo de outros nomes, quando a hora é a de gerir serviços. A palavra de ordem é externalizar.
O envio da nossa newsletter é semanal.
Garantimos que nunca enviaremos publicidade ou spam para o seu e-mail.
Pode desinscrever-se a qualquer momento através do link de desinscrição na parte inferior de cada e-mail.